SÍNTESE De "PAIS DE UMA CRIANÇA CEGA"
Por Mercè Leonhart

Tradução livre e síntese de Sonia B. Hoffmann


Para a maioria das mulheres, a gravidez é um tempo de intensas e fortes emoções positivas, negativas e ambivalentes. A medida que se aproxima o parto, seus desejos e medos aumentam, centrando-se na criança a quem já percebe com personalidade própria e como realidade independente mesmo antes de separar-se dela.

Os sentimentos, ansiedades e emoções são importantes na formação do vínculo e no ajuste pessoal como mãe. Estas forças, portanto, convertem-se em uma espécie de tratamento que auxilia na reorganização interna da mãe (Brazelton).


Reações frente ao nascimento de um filho cego ou de baixa visão

É elevado o grau de insatisfação que experimentam os pais sobre a forma como lhes foi comunicado a cegueira de seu filho. O desinteresse do profissional pela situação que experimentam, a ocultação ou suposta ocultação do défiçit, a forma incompreensível que às vezes recebem o diagnóstico, a falta de intimidade ao comunicar-lhes o diagnóstico são, entre outros, alguns dos problemas mais assinalados. É importante, porém, considerar-se que muitos pais, em momentos de choque e dor, podem não ter boa receptividade e fazer uma interpretação errônea dos sentimentos do profissional, percebendo que este é distante, pouco comunicativo e despreocupado do problema. Acontece, também, que o profissional possa ter, em qualquer situação, pouca sensibilidade para situar-se no sofrimento que experimentam estes ou outros pais.

Os pais de uma criança cega enfrentam uma das crises mais significativas no momento da comunicação do diagnóstico. Outras crises irão acontecer ciclicamente, manifestando-se sobretudo em momentos de mudanças. Na primeira crise, os pais enfrentam uma situação de extrema ansiedade, achando-se muitas vezes fora dos limites de qualquer outra por eles experimentada uma vez que não estão preparados emocional e pedagogicamente para enfrentar a condição de receber um filho cego.

Assim, eles podem ter a sensação de que o bebê não é seu, sentir-se desvinculados em relação a ele e não ter necessidade de acariciá-lo, abraçá-lo e olhá-lo. Grandes crises de tristeza, irritabilidade, fechar-se em si mesmo na própria dor, perdas de apetite e do desejo de viver, insônia, confusão relativamente à própria identidade e sentimento de uma ferida profunda na própria autoestima são algumas das reações bastante comuns sofridas pelos pais.

Muitos pais de crianças cegas se vêem afetados pela incapacidade da criança como se eles mesmos a padecessem diretamente (Sommers). Muitas mães expressam uma sensação de fracasso em seu papel materno e seu desejo de renuncia à maternidade. A mãe considera seu filho como um prolongamento dela mesma, podendo percebê-lo também como um "produto defeituoso ou de qualidade inferior, com um aspecto físico às vezes decepcionante". A autoestima pode estar seriamente afetada, sobretudo naqueles pais Cuja vida ou Cuja profissão os tenha levado a assumir um determinado papel triunfador ou exitoso frente à sociedade - o que os faz sentir ainda mais prejudicados em sua ferida narcisista, bloqueando sentimentos que criam e fortalecem o vínculo com seu bebê. Com isto, podem chegar a desinteressar-se completamente da criança a quem percebem como parte deles mesmos a ser negada.


Adaptações frente à cegueira

O sentimento de pena vivido Pelos pais e a perda da criança ideal tem de ser elaborada para se chegar a uma boa adaptação da realidade, a aceitação da criança real - a criança e Sua cegueira.

Durante o processo da pena, Bowlby (1979) sugere quatro fases principais:

1. Fase de aturdimento - dura habitualmente entre algumas horas e uma semana; pode ser interrompida por descargas de profunda aflição ou ansiedade. 2. Fase de desejo e busca da figura perdida - persiste durante meses e, com frequência, anos. 3. Fase de desorganização e desesperação. 4. Fase de um grau maior ou menor de reorganização.

A renuncia ao sentimento de pena poderá causar uma adaptação superficial e a capacidade afetiva e emocional se verá seriamente afetada, traduzindo-se em uma redução na preocupação pelas demais pessoas e na própria capacidade de amar, pois os pais ficam encapsulados na expressão de seus sentimentos e os mecanismos de defesa tomam então grande força.


Análise da adaptação

Na primeira etapa, frente ao choque emocional, duas atitudes são produzidas: a negação total ou parcial do diagnóstico e a necessidade de confirmação deste uma vez que o diagnóstico pode ser tão traumático e imprevisível que, em muitos casos, se faz dificilmente credível. O déficit apresentado pela criança é, então, atribuído a um erro do médico ou a outras diversas causas, ocorrendo, após, uma peregrinação a vários hospitais, a visita a quem os pais consideram uma
eminência para afirmar o milagre de que o filho não é cego.

Com a intuição da certeza do diagnóstico, os pais apresentam uma torrente de emoções e sentimentos: culpa, depressão e problemática familiar - os três eixos que movem a dinâmica de adaptação, resultando
as posições de adaptação que constituem a terceira etapa. Duas posições são denominadas positivas: uma aceitação conectada com a realidade do déficit e as limitações que dela se derivam e uma adequação mais relativa, produzida por uma aceitação mais frágil, mais precária. Outra postura consiste em uma adaptação negativa à situação, produzida enquanto não se chega a aceitar de forma realista o déficit e suas limitações, surgindo assim fantasias e negações dos distintos efeitos produzidos pela cegueira - o que não deixa os pais verem a realidade ou a mascaram.

A terceira posição, a desintegrada, é responsável por efeitos mais devastadores cujas consequências poderiam ser dificilmente reparáveis: separação do casal, desintegração da personalidade, dissociação da realidade, enfermidade mental.

Atitudes negativas observadas em pais com dificuldades de elaboração do processo interno adaptativo

Os pais experimentam uma rejeição pela cegueira de seu filho, embora sintam um amor natural por ele, tornando-se esta rejeição o principal obstáculo qUe impede o estabelecimento de uma relação afetiva adequada.

Uma mãe depressiva, com um baixo grau de resposta às mensagens que lhe envia seu filho, pode permanecer fechada em si mesma e insensível às necessidades de amor e de relação apresentadas pela criança, sem respostas ou reações, privando-o de uma mãe emocionalmente viva e capaz de corresponder-lhe. Esta atitude materna pode conduzir à criança a uma separação de seu contato e a uma busca de satisfação em seu próprio corpo ou em objetos inanimados. Sem uma intervenção rápida e oportuna, estas condutas podem evoluir para um transtorno grave da personalidade da criança.

Superproteção

Esta atitude é observada nos pais que enfatizam exclusivamente o déficit e esquecem que a criança cega é antes de tudo uma criança. Levados pela pressão emocional de seus sentimentos, eles a superprotegem negativamente e realizam, por ela, tudo aquilo que ela poderia fazer, privando-a das experiências normais para alcançar um bom desenvolvimento físico, emocional, social e mental, restringindo qualquer espontaneidade e interesse.

Na superproteção positiva, a maioria das crianças com graves déficit podem desenvolver-se porque potencializa a criança, a acolhe e estimula a um crescimento.

Muitos dos pais que apresentam a superproteção negativa experimentam sentimentos fortes de culpa e rejeição,sentindo a necessidade de uma continua proteção da criança, freiando seus impulsos a fim de fazer-lhe a vida o mais fácil possível na tentativa de suavizar seus sentimentos.

Negação

Os pais que não aceitam o déficit da criança se esforçam e fazem sacrifícios para demonstrar a eles e aos outros que a criança é "como todos" e perfeita, suavizando assim seu sentimento de culpa. Com isto, desconsideram as necessidades e possibilidades da criança, não animando-a para a exploração tátil quando fora de sua casa, oferecendo-lhe uma linguagem com completas conotações de vidente, sem permitir ou animá-la a que expresse suas próprias sensações e percepções a fim de que seja ela mesma, tornando-a insegura, insatisfeita e desanimada.

Rejeição encoberta

Aqui, os pais rejeitam a criança cega e tentam compensar seus sentimentos de culpa com aparente preocupação e demonstração de amor e sacrifício. Eles vivem esta cegueira como uma desgraça. Expressões indicativas de uma rejeição dissimulada podem ser "cuidarei enquanto viva", "agora que é pequena, me é difícil ensinar-lhe, "não sei que fazer, porém quando crescer a ensinarei".

Esta rejeição manifesta avaliações intolerantes ou críticas dos efeitos da cegueira, assim como uma hostilidade dirigida à cegueira e ao cego. Podem surgir tanto uma solicitude exagerada quanto uma hostilidade manifesta.

Rejeição manifesta

Nesta atitude, manifesta-se a hostilidade E a negligencia com a criança. Os pais falam sobre ela sem demonstração de afeto, não se ocupam dela, ignoram seus êxitos e manifestam uma irritação evidente frente às responsabilidades associadas à educação da criança cega (Sommers). A maioria desses pais são conscientes dos sentimentos hostis e negativos, estabelecendo defesas para justificá-los, culpando outras pessoas de suas dificuldades e problemas. A criança sente vitalmente que não é querida por seus pais, não desenvolvendo sentimentos de pertencimento e segurança, suas respostas sociais são negativas e agressivas, isolando-se do mundo externo dolorido e pouco gratificante.

Os pais que rejeitam dissimulada ou abertamente a criança cega demonstram uma falta de preocupação real ou de interesse pelas atividades da criança, mostrando uma autoridade desproporcionada através de demandas não razoáveis da própria agressividade.

Proposta inicial de trabalho

O especialista tratará, em principio, de proporcionar a informação necessária aos pais, a qual deve fundamentar-se na realidade concreta, sem cair em um otimismo exagerado que pode induzir aos pais a criação de expectativas irreais que os conduza a uma negação dos efeitos da cegueira. UMa escuta compreensiva e atenta, que possa conectar com a dor mental da familia, será o fator básico que conduzirá as entrevistas.

Progressivamente, os sentimentos agressivos e de culpabilidade que experimentam são identificados (tal como a negação, a projeção, o desapego).


   Crises cíclicas

O fato de ter uma criança cega ou com um grave déficit determina um estres crônico, que se agudiza nas seguintes situações:

- quando se diagnosticam, posteriormente, outras alterações graves, além da cegueira; - no primeiro aniversario da criança; - festas familiares associadas a intensas emoções nas quais se revivem sentimentos pessoais da própria história dos pais; - nascimentos no âmbito familiar ou na vizinhança; - cada nova situação que implica um crescimento, como as manifestações de autonomia, os primeiros passos, as primeiras saídas na vizinhança e o fato de ter de realizar um reconhecimento social da cegueira da criança; - quando a criança começa a frequentar a creche; - aparição de problemas nos olhos da criança; - quando a criança começa a conscientizar-se da sua diferença; - o surgimento das quedas e aumento das batidas em função das pequenas conquistas motoras; - outras mudanças que levam a novas crises cíclicas ao longo da vida.


Grupos de pais

Os pais necessitam e valorizam as reuniões que periodicamente tem em um centro especializado, pois a comparação social permite a eles analisar seus problemas em relação ao déficit e comprovar que não são únicos em seus sentimentos e em suas experiências. O fato de encontrar-se com outros pais os ajuda a estabelecer uma nova visão, assim como novos valores a serem incorporados a sua identidade social e papel como pais. As interações dos companheiros de um grupo podem ajudar aos pais a diminuir seu estres em relação ao déficit e a definir de forma aberta as inquietudes e os medos que experimentam, assim como as ansiedades predominantes nesse momento.

Apesar das consequências benéficas derivadas da formação de um grupo, é necessário considerar que algumas situações vividas pelos pais requerem um primeiro momento de intimidade com sua dor e que, ao fazer frente a uma situação determinada, podem necessitar uma reflexão pessoal e não desejar compartilhamento até haver efetuado o processo. Portanto, cremos que os grupos têm de ser muito abertos e flexíveis, um espaço no qual os pais possam expressar-se livremente.

Os grupos de pais coincidem em valorizar o apoio que os pais destacam que tenham recebido em suas conversações com outros pais. Isto inclui tanto o apoio emocional obtido ao dar-se conta de que outros pais tem problemas similares, como o prático, ou seja, ver como outros pais tem solucionado ou tentam solucionar seus problemas. Os pais adquirem maior confiança em si mesmos, em seu papel de pais, e, em consequência, se aprecia uma melhora na interação com seu filho Isto parece dever-se ao apoio recebido, à tomada de consciência de que outros pais tem problemas similares e à busca conjunta de soluções a seus problemas. Outro aspecto benéfico é que os pais podem manter os contatos estabelecidos e os fomentam. Tudo isto redunda em uma participação mais direta nos aspectos educativos da vida de seu filho e, em especial, em uma melhoria no contato e a comunicação que se estabelece na própria familia.


       FIM


LEONHARDT, Mercè. El bebé ciego: primera atención; un enfoque pedagógico. Barcelona: Masson, 1992, cap1. (Colección de Psicopedagogía y Lenguaje)

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