PREPARANDO PARA A CEGUEIRA
Por. Thomas J. Carrol


A todo técnico especializado, com bastante experiência, já foi feita a pergunta: "O que pode ser feito com uma pessoa que de repente sabe pelo médico que ela sofre uma moléstia ocular incurável e que inevitavelmente vai ficar cega? Como você o prepararia para a cegueira?".

Está claro que não há um programa que pode ser recomendado a todo aquele ameaçado com a perda da visão - o temperamento do indivíduo e as circunstancias, caso o prognóstico seja de acometimento de uma cegueira repentina ou gradual e o tempo que levará tudo isto fará uma grande diferença naquilo que seria desejável ou prático. O que se segue portanto tem a intenção de apresentar somente sugestões bem gerais.

Muitas pessoas julgam que em tais circunstâncias seria aconselhável aprender o Braille. Porém, é quase impossível para a pessoa dotada de visão aprender o Braille pelo tato, como deve ser aprendido e a pequena vantagem que ela poderia obter com o conhecimento do Braille antes da cegueira, seria mais do que perdida, pelos efeitos emocionais traumáticos. O Braille é o símbolo da cegueira, e exceto em circunstâncias muito especiais não deve ser aprendido até que a pessoa fique cega.

Outra idéia generalizada é que ajudaria se ela entrasse em contato com pessoas cegas. Muitas pessoas ameaçadas com a perda de visão tornam-se, por exemplo, voluntárias em associações que trabalham com cegos (como se seguissem a ordem "faça para você amigos não riquezas da iniqüidade, porque se você falhar poderão aceitá-lo ..."). Ao lado das questões da sua acomodação emocional tanto ao trabalho do voluntariado, trata-se de política muito pobre a destas pessoas a se identificarem desta maneira com indivíduos cegos ou associações. Eles simplesmente provocarão em si mesmos novos distúrbios emocionais, ou fazem desta atividade um meio de evitar o desenvolvimento daquilo que, nas citadas circunstâncias seria um padrão emocional, normal, interferindo, desta maneira, e não colaborando para uma preparação à cegueira.

Outra idéia, a de "ver tudo o que pode ser visto enquanto há tempo", pode ser aceita se for devidamente entendida. Se se trata de uma série de excursões repletas de emoções mórbidas, ou saciando simplesmente o sentido da visão, ou se com certeza implica em satisfazer uma necessidade de ver, não faz sentido e tornaria a aproximação da cegueira ainda mais perturbadora. Porém, se uma pessoa planejou a vida inteira ver determinados lugares ou determinadas obras de arte e se ela tiver um equilíbrio emocional suficiente para viajar e apreciar tudo isso, com um conhecimento claro de que a incidência da cegueira não significará o fim de todo prazer e deleite - então, certamente, deverá ser estimulada a fazê-lo. Sugere-se, outrossim, que a pessoa deve ler a respeito de pessoas cegas, principalmente estórias de criaturas que de uma maneira ou de outra foram bem sucedidas superando sua deficiência e conseguindo fazer coisas notáveis. Aqui também, os efeitos emocionais seriam em muitos casos, mais perturbadores do que construtivos.

A leitura geralmente mais útil seria uma matéria relativo aos sentidos humanos para se obter um conhecimento mais completo possível do potencial e das limitações de cada. Em alguns casos, pode ser útil obter e ler material concernente ao seu tipo especial de trabalho ou um interesse particular, material este que seria mais difícil de assimilar depois da incidência da cegueira.

Repetindo, tal indivíduo poderia muito acertadamente começar a treinar seus outros sentidos, alertando a si mesmo quanto às informações que estes lhes proporcionam e avaliando-as através dos obstáculos que ele ainda pode obter com a visão. Pode também aprender sozinho ou tomar um curso de datilografia, caso ainda não tenha esta habilidade. Isto não ocasionaria os efeitos traumáticos do aprendizado do Braille, e o capacitaria a continuar com a comunicação escrita mesmo depois da cegueira, e sem praticamente uma interrupção. Outras pessoas poderiam também ser aconselhadas a praticar e aperfeiçoar um tipo de esporte ou passatempo ou outra forma de recreação que poderiam levar avante, com a cegueira.

Em muitos casos, também seria desejável, antes da incidência da cegueira, fazer-se uma mudança no tipo de trabalho que seria difícil de continuar, por um mais fácil de conservar após a reabilitação. Por exemplo, a secretaria estenografa que executa suas obrigações e outras tarefas que implicam essencialmente no uso da visão, poderiam transferi-la para um trabalho apenas de datilografia e atividade similares, não visuais. O advogado num ramo que exige um considerável emprego da visão, deve tomar as devidas medidas a fim de se transferir para outro setor; o mesmo com o médico na clínica geral ou em alguma especialização que exige a visão poderia aproveitar o tempo que antecede a cegueira para um treinamento especializado em administração médica.

Poucas pessoas são capazes de conseguir ir além destas mudanças e planos a fim de melhorar sua segurança financeira antes da incidência da cegueira. Alguns poderiam, entretanto, mudar seus planos que envolvem despesas desnecessárias ou fazer planos de um equilibrado orçamento doméstico.

Durante um tal período de "preparação" à cegueira, os problemas principais serão, é claro, os psicológicos. Caso eles possam ser considerados como superáveis, a pessoa inteligente recorrerá à ajuda de especialistas, antes cedo do que tarde, - ou procurando a orientação de um psiquiatra, ou, se os problemas não forem tão graves, a uma associação dentro da comunidade familiar, a fim de providenciar serviço de assistência social. Para alguns, a depressão e o medo durante este período é tão grave que pode originar tendências suicidas. É lógico que qualquer indício neste setor exige uma urgente assistência profissional.

Alguns técnicos especializados sentem que sua experiência neste campo os preparam para a eventualidade deles perderem a visão. Pessoalmente não penso o mesmo a meu respeito. Acredito até que se algo acontecesse comigo em relação às boas condições da minha visão, eu seria um cego bastante medroso e desamparado. Espero contudo que estaria pronto a aceitar a ajuda psicológica que me seria tão necessária.

CARROLL, Thomas J. Cegueira: o que ela é, o que ela faz e como conviver com ela. São Paulo [s.n.] 1968, cap.24.

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