PARALETA E LARIMBO

   Escrito por Sonia B. Hoffmann

O dicionário estava aberto sobre a mesa. Junto dele, havia apenas o bloco sem pauta, um lápis e uma borracha usada já pela metade. Igor terminava de copiar sua redação para uma nova folha, quando Dona Isabela o chamou para o lanche da tarde.


- Só um pouquinho, mãe! Vou guardar a redação e estou aí em dois minutos!

O garoto colocou a sua redação cuidadosamente na pasta, pois tanto ele quanto Dona Fátima, sua professora de Português, tinham um gosto especial pela organização e pelo capricho. Ele fechou a mochila e, pensando nas delícias que a mãe preparava para o lanche, correu para a cozinha.


- Hummm, que bom! Hoje, temos leite com chocolate e bolo de fubá!!!


- Tudo está sempre bom, não é, Igor? Como é fácil cozinhar quando temos os ingredientes e as pessoas gostam de comer!


- Ah, mãezinha, mas tem o toque do carinho que abre um apetite e tanto na gente.


- Não adianta fazer estas chantagenzinhas, Igor. No máximo, corto para você só mais uma fatia muito pequena de bolo. Esta já está bastante generosa, disse Dona Isabela, sorrindo carinhosamente para seu filho de quem tanto se orgulhava.

Eles ficaram ali na cozinha, comendo e conversando sobre os preparativos para o passeio pela serra que fariam no domingo, juntamente com os tios e primos. Nisto, Dona Isabela olhou pela janela e falou rápido:


- Ei, Igor, venha me ajudar a tirar a roupa do varal. O céu está escurecendo, acho que vem temporal por aí!

Quando saíram pela porta da cozinha, logo sentiram o vento que surgiu repentinamente. As folhas das árvores se agitaram em uma dança frenética; os pássaros voaram para se abrigar nos telhados; e Tareco, o cachorro vira-lata de Igor, correu para sua casinha e se escondeu lá no fundo dela.

Como o dia até então estava muito bonito e ensolarado, as janelas da casa estavam abertas. Por isso, aquele vento percorria seu interior, levando tudo que fosse leve por diante. As páginas do dicionário reviravam-se com uma rapidez impressionante, como se cada uma fosse um barco a deriva em um mar agitado.


- Estamos em um maremoto, gritava Panqueca, segurando-se firme na Panela que, por sua vez, agarrava o Poste, desesperadamente.


- Que nada, isto é um tsunami! Traga um bote, Dona Espingarda. Assim vamos nos afogar, pedia o Fósforo, entrando em pânico.


- Mas o bote está em uma página muito distante; não vai chegar a tempo.


- Vamos pegar a jangada mesmo! É com J e, por isso, está em páginas mais próximas de nós, gemia a Lagartixa, pálida de terror.


- Acho que o Vulcão entrou em erupção! Olha aquela fumaça passando rápido!


- Fumaça!? Eu só vi o Nevoeiro e logo trocou de página... E agora passou o Eclipse, rugia o Leão, equilibrando-se em uma tábua de passar roupas.


- Enxerguei mal, então! Mas onde estão meus óculos? - pediu a vovó que navegava solenemente em uma lancha. Com a virada tão rápida de página, eles caíram!


- Eu os vi boiando lá perto da letra C. Parece que a Cabeça conseguiu fisgá-los, informou o Guarda-sol, que flutuava ao lado de uma esteira.


- Abaixem-se!!! Cuidado com aquela Sombrinha desgovernada, gritou o Alto-falante para a tripulação da prancha de surf.


- Ufa, esta foi por pouco!!! Se este vento não parar logo, vamos ser arrancados deste dicionário, gaguejava a Formiga, toda nervosa.


- O pior é que, com este vento, o pólen se espalhou e fiquei com uma alergia danada. Meu remédio ficou lá na letra M, não dá pra ir até lá, falava a Zebra, coçando-se toda.


- E eu sou alérgico a perfume! Estava tão contente porque ficava páginas e páginas distante dele, mas agora... ele se espalhou aqui na letra G, resmungava o Gigante, segurando o espirro.


   - Me solta, me solta, seu Gigante bruto! Eu não gosto de ficar trancado nesse narigão, implorava o Espirro, enquanto fazia força para sair.


- Não, não deixem o Gigante espirrar, gente! Se isto acontecer, vamos todos parar lá na letra X e minhas palhas vão se soltar, clamava o Espantalho fazendo a maior ginástica para não ficar nu.


- Oba! Gosto de viagens aéreas, disse a Carta, toda empolgada. Não tenham medo, companheiros da letra A.


- Não estou com medo, explicou o Abacate, verde de enjoado. Se eu voar, posso me esborrachar na cabeça de alguém!!!


- RA ra ra, já pensaram como o Zebu vai ficar engraçado com ameixas nos chifres? Debochava a Bússola bem desorientada.


- Vão pensar que ele está fantasiado para o carnaval, Dona Couve-flor, dizia a Beterraba, vermelha de tanto rir.


- Me disseram que um Ciclone, tão forte, passou pela letra P; que o Parafuso parou na página da Borboleta, falou a Dentadura, batendo os dentes de frio.


- Eu vi isto, gritou a Bandeira, agitada. Voou pedaço de palavra pra todos os lados. Foi uma misturança só; e quando se juntaram, surgiu a Paraleta e o Borbofuso.


- Esta confusão também aconteceu na página da Laranja, que se chocou com o Cachimbo, cacarejava a Galinha, mais arrepiada do que a Vassoura!


- Isto foi engraçado, bradou a Corneta, toda desafinada. Quando se levantaram, já tinham virado o Larimbo e a Cachanja.


- Não sei se elas vão ter cura, explicou o Hospital. O Médico caiu no meio da Floresta, e a Enfermeira não encontra a injeção.


- Ah, a Injeção foi arremessada para a página do O e ficou cravada no Ovo, deixando cair a Gema dentro do Apito, garantiu a Fofoca.


- Vejam, o Sorvete está lá no Horizonte, anunciou a Girafa com o Tapete enrolado no pescoço.


- Coisa nenhuma! Lá, estão a Estrela, o Arco-Íris e a Ilha!!"


- Ora, Baleia, como pode enxergar melhor do que eu nesta distância? Eu sou mais alta e estou com meu amigo Binóculo.


- Que pateta! Ela ficou assim depois que colidiu com o Submarino. Não percebeu ainda que a Baleia está no Telhado, junto com o Telescópio, comentou o Edifício sorrindo para a Porta e o Croquete.


- Ué, desde quando Tartaruga voa, perguntou a Curiosidade muito desconfiada para o Rabanete e a Nuvem.


- Desde que ela foi pelos ares quando a Bomba explodiu, cantarolou a Música, de mão dada com a Melodia, que procurava a Flauta, a Guitarra e o Piano naquela confusão.


- Perigo!! Lá vêm a Manada, o Enxame e a Alcateia, berrava a Esponja esprimida de medo, escondendo-se no Queijo.


- Chamem o Exército e a Aeronáutica, gritou a Boia amarrada nas cordas do Violão e cuidado com aquele Trem fora dos trilhos!!


- Rápido, Computador, digita uma mensagem de alerta, pediu o Fantasma branco de pavor.


- O Aviso chegou tarde demais, suspirou a Xícara. Agora a Berinjela já está todinha esmagada e virou suco!!!

Terminando de retirar a roupa do varal, Igor volta correndo para seu quarto, fecha a janela e o dicionário, e as palavras retornaram à calmaria e ao aconchego do grande livro que as protegia.


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