QUANDO O CÉREBRO NÃO TRABALHA E A SOVINICE IMPERA, OS DENTES SOFREM!

   Escrito por Sonia B. Hoffmann
   Fisioterapeuta CREFITO 6159 F
   Doutora em Ciências do Desporto e Educação Física
   Porto Alegre, março de 2011.

Albézio é, ou era, um cara com uma síndrome mais comum do que se pensa: sovina, ignorante e sempre querendo tirar vantagem de tudo. Dentes, escovava uma vez por dia para economizar creme dental; fio dental, somente uma vez por semana e mesmo assim reaproveitava ao máximo; escova de dentes, compartilhava com a esposa, afinal eram casados em comunhão de bens e ela podia ser considerada "limpinha".

Como sempre aparece um dia na vida de alguém trazendo um fato marcante, vamos então contar que uma madrugada surgiu com uma dor brutal de dentes para o terror de Albézio e, por tabela, para sua esposa, filhos, vizinhos, padeiro, guarda-noturno e outros notívagos. Ele gemia, se retorcia, uivava e dizia todos os impropérios conhecidos, desconhecidos e inventados. A manhã chegou e junto uma ideia brilhante, sempre tem alguém com uma ideia se não brilhante, pelo menos lúcida: vamos procurar um dentista. Naquele momento, um grito lancinante atingiu céus e terras, mas como a dor de dentes era insuportável, Albézio relegou para um segundo plano a dor no bolso.

Em solidariedade à dor do infeliz, faremos alguns atalhos e encontrá-lo já sentado na cadeira do dentista, sendo atendido. Além da necessidade de uma série de restaurações, o doutor percebeu que uma limpeza adequada há muito não era conhecida por aquela boca. Fez os procedimentos possíveis para aquele momento, deu a ele um anestésico, combinou os demais atendimentos e orientou o pobre do Albézio para a escovação e higiene adequada da escova de dentes.

Com os olhos tão arregalados, que fez o dentista quase enviar o homem para o consultório do oftalmologista ao lado, Albézio não cabia dentro do seu pobre corpo de tanta indignação: usar a escova e o creme dental três vezes por dia, e principalmente antes de dormir? "Ora, se vou dormir por que devo então ficar de boca limpa?" Ele não conseguia entender que, durante o sono, micro-organismos e fermentações aparecem e precisam ser combatidos e eliminados. Uma explosão de gritos e ricocheteios de
palavras, como se a sua boca fosse uma metralhadora giratória, transformou aquele consultório em verdadeiro pandemônio: "fazer bochecho com enxaguante bucal, não mais reaproveitar o fio dental e nem pensar em compartilhar a escova de dentes com a querida Drubelinha? O senhor sabe quanto isto custa?" Nada ou pouco adiantou o dentista tentar esclarecê-lo sobre os resíduos que ficam no fio dental e entre as cerdas da escova, além de bactérias e até mesmo vírus de infecções como uma simples gripe, resultando em gengivites, reinfecções e troca de micróbios na melhor das hipóteses.

Quando as pessoas da sala de espera pensavam que consultor e consultado jaziam mortos pela broca ou pelos socos arremessados aos ares, paredes e a quem surgisse pela frente, todos ficaram boquiabertos ao ouvirem estrondosas gargalhadas de Albézio depois de um silêncio profundo. "O que está me dizendo, doutor? Que eu devo trocar a escova de dentes no máximo de três em três meses e depois de eu ficar gripado ou com algum outro probleminha na boca, Enxaguar ou borrifar a escova diariamente com algum anticéptico ou água oxigenada e a guardar no armário ou cobri-la para não pegar poeira? O senhor quer me levar à miséria e ao gasto de tempo? Até aceito esta conversinha sua de lavar bem as mãos e as unhas antes de escovar os dentes, deixar um copo limpo e coberto somente para lavar a boca e fazer bochechos mais vezes... afinal, isto ajuda a poupar água e deixam as mãos limpas para outras coisas, mas o resto tudo e até lavar a escova pela manhã antes de usá-la já é demais!!!"

Com tristeza, o dentista olhava Albézio entendendo que tantas e tantas outras pessoas pensam assim pelo mundo afora, que muitas outras pessoas não fazem tudo isto porque sua pobreza é tão grande e,muitas vezes, precisam fazer a opção entre comprar o pão e o leite ou uma escova de dentes.. e que, em algumas circunstâncias, elas nem mesmo recebem estas orientações por displicência do profissional ou por seu discurso rebuscado.

Aliviado da dor, Albézio zuniu pela porta e esqueceu do dentista por mais cinco anos, quando retornou para a extração total dos dentes. Talvez vocês perguntem se ele fez a dentadura, mas esta resposta vou deixar com vocês mesmos: o que acham? Só o que posso dizer é que Albézio muitas vezes teve crises de arrependimento por não ter ouvido o dentista e não ter seguido seus conselhos.


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