O LIMÃO TAMBÉM SERÁ GENTE quando amadurecer

   Escrito por Sonia B. Hoffmann
   E-mail soniab27@terra.com.br
   Porto Alegre, março de 2011.

Impressionante como vem aumentando a quantidade de pessoas azedas, mal-humoradas, ranzinzas e amargas. Em todos os lugares, vira e mexe encontramos alguém reclamando da vida, do trânsito, dos filhos, dos pais, dos colegas, do chefe, do marido, da esposa, dos vizinhos, da empregada, do síndico, da vírgula, do acento ou da falta de acento que a secretária não colocou, da dificuldade de estacionamento, do ônibus cheio, dos compromissos e quando não têm mais do que reclamar, reclamam da falta do que fazer, do tédio, das pessoas que abandonam o barco. Também pudera! Quem aguenta tanta insatisfação assim?

O pior de tudo é que não se consideram insatisfeitas, nós sim é quem as desvalorizamos como vítimas. A infelicidade está estampada na sua fisionomia, está escrachada no seu tom de voz, na velocidade da sua fala, na alteração da sua respiração, na repetição das palavras... sempre as mesmas, passam os dias e os encontros e tudo continua igual: sempre a reclamação como insígnia. Parece que trazem no peito ou na testa um crachá: insatisfeito, reclamão e infeliz. Talvez até em seu túmulo encontremos: aqui jaz alguém que reclamou da vida e agora da morte, do caixão, do velório, do enterro. Provavelmente será um enterro tradicional para haver mais tempo de protesto: com a cremação talvez as palavras se dissolvam com o calor!

Para estas pessoas não existe uma conversação desinteressada, existem arremessos de palavras recheadas de agressividade, cobrança e mágoa. Não há o prazer de viver, a reflexão sadia sobre uma leitura, a ida ao cinema, teatro ou outro show, a alegria de um passeio ou de uma diversão. Os passeios são perdas de tempo e as diversões ficam para quem não tem mais o que fazer na vida porque elas precisam reclamar, queixarem-se, mostrarem para os outros o troféu da sua opressão: o azedume. Precisam ter um motivo para alguém prestar atenção nelas porque não sentem-se capazes de serem consideradas importantes por sua sensibilidade e falibilidade. Falibilidade? Isto é coisa para os covardes. Só que estes covardes não são medrosos e ousam viver os desafios, transpor os obstáculos, errar pelas próprias pernas e não serem manipulados pelos fios tênues, e de vez em quando nem tão tênues assim, do orgulho, da arrogância e do poder. De algum modo, fazem tantas peripécias reclamatórias que sua vida se transforma no mais verdadeiro vazio no qual conseguem desorientarem-se e perderem-se. Não há bússola ou GPS que as ajude. Lembremos, porém, o aviso de Rita Lee: "baby, baby, não adianta chamar, quando alguém está perdido, procurando se encontrar". Mas todos temos de entendê-las porque, afinal de contas, elas carregam o peso do mundo nas suas costas. Não perceberam ainda o contrário deste discurso: o mundo é que carrega e suporta o peso delas.

Entretanto, aprendo muito com suas reações e este hábito meio doentio para meu gosto. Vocês já observaram a extrema contribuição oferecida em seu comportamento? Para mim, são verdadeiros modelos, modelos daquilo que eu não quero ser, daquilo em que não desejo transformar os meus dias e nem as minhas noites. Deve ser um estresse e tanto sentir-se apertada por dentro e por fora, conviver com a nhaca do descontentamento constante, perceber-se como um limão azedo e duro e não dar-se ao direito de saborear o sumo refrescante da renovação, aprisionar-se na imaturidade dos sentimentos. Deve ser muito difícil e dolorido tirar uma fotografia e, em lugar de se ver, encontrar um limoeiro sem flor e sem fruto, sem a beleza do doar-se para a vida, sem a leveza de um olhar generoso como uma árvore que se não dá frutos, pelo menos oferece sua sombra para o descanso, o sossegoe o refazimento dos aprendizes, caminhantes e dos trabalhadores da vida.

Quando escrevo, porém, que elas estão desnorteadas e enredadas pelas próprias formações das amarras, teias e labirintos, não afirmo e nem acredito que um dia deixem de se acordar para vida. Elas simplesmente são seres no estágio da "bela adormecida", precisando urgentemente de algo que as desperte. Algumas pessoas precisam de um amor, outras de pequenos tremores que atinjam a alma, mas há quem necessite de sacudidelas bem mais fortes e, então, surgem os tsunamis ou os ciclones emocionais que invadem sua intimidade e reorganizam seus sentimentos, reconduzem seus pensamentos para o caminho do equilíbrio e reconfiguram seu repertório de palavras. Elas passam a entender que a vida é um processo de aprendizagem e (re)construção, cujas conquistas acontecem no ritmo adequado das suas possibilidades de entendimento e administração. Disto tudo não devemos fazer parte, porque é um momento muito individual e de cumplicidade entre elas e a natureza, um conflito necessário ao seu crescimento e não temos o direito de interferir na delicadeza deste acontecimento. Mas devemos ficar alertas para pegarmos a sua mão quando elas as estenderem. Quando isto acontecer, elas amadureceram e o limão se tornou gente.


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