O DISCURSO DA RAINHA

   Escrito por Sonia B. Hoffmann
   E-mail soniab27@terra.com.br
   Porto Alegre, março de 2011.

Não, eu não sou aquela aquem dedicaram uma vida inteirinha e dos seus sonhos de amor não fui feita a rainha. Muito menos, sou a rainha da bateria de alguma escola de samba, do lar, da sucata ou da festa da laranja, melancia, jaca, banana . Não tenho distúrbios de linguagem, somente do sono e do intestino quando como mamão com mel; não possuo nenhuma influência no patriotismo inglês e nem entro em pânico quando preciso falar em público. Minha realeza é de outra estirpe!

Meu nome é Regina e sou rainha dos provérbios e ditados populares. Dou um boi para não entrar em brigas mas uma boiada para não sair delas de mãos vazias porque não gosto de abanar com o chapéu dos outros. Depois, quem um dia foi rei, será sempre majestade e jamais se deve cutucar a onça com vara curta. Não me venham com esta conversa mole de que o que vale é a intenção porque de boas intenções o inferno está cheio e penso que aqui se faz, aqui se paga. Mas dizem que a justiça vem a cavalo, trazendo para cada cabeça, uma sentença. Isto é bom, antes tarde do que nunca e cada coisa a seu tempo.

Contudo, em briga de marido e mulher, não meto a colher e nem meu nariz onde não sou chamada, ainda mais quando é briga de cachorro grande. Evito de contar um conto, para não aumentar um ponto porque a mentira tem pernas curtas e não quero ver o sol nascer quadrado e nem ficar tão perdida quanto cachorro em dia de mudança. Não mexo com quem está quieto: águas paradas são profundas e águas passadas não movem moinho. Nem sempre os melhores perfumes estão nos menores frascos. Mas deixa estar, Deus ajuda a quem cedo madruga e o primeiro milho é para os pintos.

Não sou dessas de me entusiasmar com as aparências, porque às vezes elas enganam e nem tudo que reluz é ouro. Quem foi o engraçadinho que inventou esta de que cavalo dado não se olha os dentes? Olho sim, pois pimenta no meu olho não é colírio. De noite, todos os gatos são pardos e daí babau: a Inês é morta e a vaca foi pro brejo. Neste ponto sou como minha avó, cuspida e escarrada: se não tenho cão, caço com gato e com a boca, vou a Roma. Na briga do mar contra o rochedo não pretendo ser o marisco e levar a pior, afinal de contas em rio de piranhas jacaré não nada de costas e nem fica parado para virar bolsa. Aprendi que caldo de galinha e cautela não fazem mal para ninguém. É preciso prevenir para não remediar porque desgraça pouca é bobagem. Não esqueço que dia de muito pode ser véspera de pouco ou de nada. Mas devagar se vai longe e de grão em grão a galinha enche o papo.

Falam que sou como o cão que ladra e não morde Que devo pensar mais porque em boca fechada não entra mosca e que a palavra pode ser de prata, mas o silêncio é de ouro. Está certo, só que cada macaco em seu galho e quem desdenha quer comprar. Tenho consciência de não ter nem eira e nem beira, porém, cultivo a esperança de que depois da tormenta vem a bonança. Um dia aprendo, não dizem que água mole em pedra dura tanto bate até que fura? Pois é, não querem me ensinar? É na necessidade que se conhece o amigo ou será que em casa de ferreiro o espeto é de pau? Não sabem que a união faz a força ou, por acaso, estão se fazendo de loucos para passearem de ambulância?

Não tenho vocação para santinha do pau oco e, como quem tem telhado de vidro não atira pedra no do vizinho, nunca puxo o tapete dos outros, afinal eu também posso estar em cima dele. Esta estorinha de fazer fama e deitar na cama não é comigo: isto é coisa para apressado que come cru. Depois, onde tem fumaça, há fogo. Geralmente, o papagaio come milho e o periquito leva fama. Mantenho sempre os dois olhos bem abertos, pois em terra de cego quem tem um olho é rei e gato escaldado tem medo de água fria. Não adianta chorar sobre o leite derramado; por isto, Prefiro um pássaro na mão do que cem voando. Jamais conto com o ovo antes de sair da galinha e não semeio vento para não colher tempestade. Não me meto de pato a ganso porque uma andorinha só não faz verão. Um homem prevenido, vale por dois. Deste modo, deixo para rir por último, para rir melhor porque quanto maior a altura, maior a queda e nem sempre se cair, do chão não passa. O melhor é colocar as barbas de molho, pois a língua pode ser o chicote da bunda.

Pequenos riachos formam grandes rios e, como quem tudo quer tudo perde, a sorte de alguém pode ser o azar dos outros, e santo de casa não faz milagre, desconfio do ganho fácil, o triunfo nasce da luta. Nada como um dia após o outro e assim vou seguindo meu caminho: aos trancos e barrancos, mas devagar e sempre. Quem espera, sempre alcança e os últimos serão os primeiros. Por fim, não há marcas que o tempo não apague, assim como não há bem que sempre dure, nem mal que nunca se acabe, E por falar em acabar, acabou o meu discurso o qual eu mesma escrevi a ferro e fogo.


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