O PAPAGAIO GIGOLÔ

   Escrito por Sonia B. Hoffmann
   E-mail soniab27@terra.com.br
   Porto Alegre, março de 2011.

Durante muitos anos, quis ter um papagaio. O nome estava até escolhido: Gigolô, afinal ele seria sustentado por uma mulher! Ficava pensando no que ensinar para o Gi - seu apelido. Dois hinos certamente fariam parte do seu repertório musical - do Grêmio e do Rio Grande do Sul. Além de reproduzir as besteiras cotidianas ditas por mim e pelos vizinhos, ele recitaria Manuel Bandeira, diria o teorema de Pitágoras, vocalizaria trechos da obra de Kundera, iria narrar um gol do Jardel e assustaria a vizinhança com discursos inflamados sobre os mais variados temas. Pensei até em transformá-lo em papagaio-guia, mas uma amiga me contou que após nossa conversa sobre este meu possível empreendimento, ela assistiu a um filme no qual o papagaio já exercia tal função. Achei então que a originalidade havia se perdido e a funcionalidade não seria tão eficaz. Analisei meu tempo e minha paciência para promover a culturalidade do Gi, sua higiene, sua alimentação e aceitar com naturalidade suas crises de humor e de ironias. Por fim, descartei a ideia e prossegui a vida com outros propósitos.

Porém, qual foi minha surpresa quando deparei um fato extremamente corriqueiro que eu não havia ainda atentado, refletido e dado o devido valor: vocês já se deram conta da infinidade de papagaios e papagaias existentes no dia a dia? Não falo em papagaios bichos emplumados, de nariz recurvado e capacidade de imitação da voz humana; nem daquelas pontas ósseas muito encontradas principalmente na coluna vertebral; nem das tais garrafinhas úteis para os homens urinarem e nem das pipas ou das promissórias do banco. Me refiro aos papagaios seres humanos que repetem e repetem palavras, pensamentos e opiniões dos outros sem nada compreenderem, sem terem pensado no que reproduzem, sem perceberem o alcance ou o estrago da repetição. Alguns repetem os outros; alguns repetem a si mesmos e ficam na mesmice, dizendo e redizendo o seu palavrório desencontrado do seu pensamento, da sua interpretação e da sua capacidade de criação.

São papagaios de todas as espécies, raças, credos; com terra e sem terra; com profissão, desempregados ou parasitas dos frutos do trabalho e das conquistas dos outros; são pais, filhos, netos, avós, amigos, parentes, colegas de trabalho, cunhados, vizinhos, avulsos... enfim,vem e vão do onde para o onde e ninguém sabe exatamente onde não se encontram ou se encontram, porque somente repetem: talvez se encontrem na confluência da repetição da mesma palavra no mesmo instante.ou, quem sabe, os encontremos seguindo o som da sua parolice.

Repetem qualquer coisa e nada entendem: ditos populares, receitas culinárias, fofocas, julgamentos, orações, sentenças, versículos, poesias, letras de música, estatísticas, escalação de times de futebol, agradecimentos, declarações, pêsames, tudo e mais um pouco. Vocês já pensaram no perigo de um curto-circuito na cabeça destes papagaios, digo, destas pessoas? Se não fosse triste, até seria engraçado.

E o que dizer do papagaio escolar ou universitário, daqueles que são valorizados e considerados inteligentes somente quando têm as respostas repetidas do livro diretamente para a ponta da língua ou da caneta? Que tal o papagaio professor que faz todos os dias e todos os anos as mesmas coisas, como na música do Chico Buarque - "todo dia ela faz tudo sempre igual, me sacode às seis horas da manhã, me sorri um sorriso pontual...". Abre o livro em uma determinada página e repete seu discurso, pensando no horário de levar o filho ao dentista, de não esquecer de comprar pão e queijo naquele dia, de pegar a roupa na lavanderia e de cortar os cabelos. Os alunos são borrões, miragens. Por ventura, já prestaram atenção à papagaia aeroviária? O que é aquilo na porta do avião quando saímos: obrigada senhor, obrigada senhora, obrigada pela escolha, obrigada pela preferência, obrigada, obrigada, obrigada... São tantos obrigadas que penso justamente isto: faz por obrigação. Divertido é ouvir o papagaio futeboleiro: "se Deus quiser, a gente vai pegar forte e treinar firme pra render mais". Ele é pago pra quê, afinal? Mortal mesmo... mas de tanto rir, é ficar frente a frente com o papagaio paquerador. Ele escolhe o seu olhar mais sedutor, faz uma voz de comunicador noturno de músicas românticas de rádio do interior e lasca um sonoro e açucarado "oi". Quanta originalidade e jogo de cintura!

Os papagaios não conversam, emitem sons; não pensam, reverberam as palavras dos outros; não compreendem, se condicionam e são programados. Não têm sua individualidade, são clichês, estereótipos, colchas de retalhos. Talvez, eles também não sofram porque estão com seus sentimentos blindados, refratários e hermeticamente fechados para sua realidade. Possivelmente, ser papagaio seja uma fuga, um mecanismo de defesa, um modo de iludir-se, de não se frustrar, de culpabilizar os outros e de não assumir a responsabilidade sobre escolhas, decisões e sobre o rumo de sua vida.


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