O REPOLHO DE ROSIE

   Escrito por Sonia B. Hoffmann
   E-mail soniab27@terra.com.br
   Porto Alegre, março de 2011.

Certo dia, fui questionada sobre o motivo de eu não voltar a escrever. Argumentei que não haveria gente preocupada em ler os meus escritos por não serem interessantes. Na época, estava lendo Água para elefantes e o episódio da elefanta do circo ter invadido uma plantação para comer repolhos-roxos me divertiu muito .

Imediatamente, meu interlocutor perguntou se eu já havia pensado na hipótese do autor daquele livro estar preocupado ou não com a vontade dos leitores terem acesso a esta informação. Na sua opinião, a tarefa e o prazer do escritor é escrever. Quem quiser, leia. Livros existem a rodo!

Saí do encontro bastante pensativa. Em casa, abri o livro e quando Rosie entrou em cena, fiquei imaginando se ela já havia comido seu repolho naquele dia. Logo, ponderei o quê eu tinha com isto. Ora, tudo! Estava envolvida com a história, com os personagens e torcendo por ela.

Uma amiga leu o livro e achou um enredo chinfrim, banal. Eu não, minha sobrinha não, minha colega não. Todas estávamos apaixonadas pelo livro, menos minha amiga. Três para um, pensei. Média excelente para uma pequena amostra. Mas não era somente esta minha conclusão e eu sabia que ela precisava emergir, desvelar-se e mostrar o seu rosto, o seu jeito e seus trejeitos.

Na verdade, Rosie e seu repolho tomavam, naquele instante, um significado para além de uma elefanta amestrada que se alimentava de verdura. Simbolizavam um novo tempo; a libertação do sentimento de inferioridade; o desenvolvimento de diferentes habilidades intelectuais e comunicativas; a oportunidade de vivenciar o instante da germinação, a alegria da criação e a satisfação de sentir os pensamentos passeando pelos outros mundos individuais e coletivos, recebendo abrigo e afeto em alguns, batendo com a cara na porta de outros, sendo menosprezados ou festejados, frustrando-se com a indiferença ou fortalecendo-se na recriação da leitura.

Percebi então que muitos mais repolhos e Rosies precisam urgentemente surgir na vida de todos nós. É impressionante a facilidade para nos acomodarmos à perversidade imposta pelo descrédito alheio, para nos tornarmos reféns do julgamento dos outros, para nos aprisionarmos às mensagens desestimulantes enviadas constantemente por pessoas pessimistas, agressivas ou narcisistas.

Quantas e quantas pessoas envergonham-se de contar histórias porque acham que os outros têm histórias muito mais importantes para contar? Não cantam e nem extravasam sua alegria porque, algum dia, alguém as chamou de ridículas e sem noção. Não vestem uma roupa colorida porque disseram que não têm mais idade, perfil ou estilo sem, ao menos, conhecerem ou considerarem a vontade muitas vezes reprimida na intimidade de cada um.

Conversando com uma tia que morava sozinha, ela contou-me do quanto gostava de assistir à programas humorísticos e desenhos animados na televisão. Um detalhe, porém. Ela não ria, embora achasse tudo muito engraçado e tivesse de fazer um grande esforço para não dar gargalhadas. E sabem por que ela não ria? "Ué, o que os vizinhos podem pensar de mim? Que eu enlouqueci!".

Penso que é momento de provocarmos a ruptura com a opressão dos nossos valores, desejos e sonhos. É hora de investirmos em nossas crenças, em nossas perspectivas, não mais permitindo que os outros direcionem ou tomem as rédeas da nossa vida. Cada um de nós é responsável por aquilo que faz ou deixa de fazer. De nada adianta não fazer o mal, se não fazemos o bem. Quando abrimos desordenadamente nossas fronteiras e entregamos nossa privacidade para a manipulação pelos outros, estamos fazendo o melhor e o bem para nós mesmos?


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