MARATONISTAS DO TEMPO

   Escrito por Sonia B. Hoffmann
   E-mail soniab27@terra.com.br
   Porto Alegre, março de 2011.

A indústria da roupa e outras confecções está cada vez mais lucrativa. Modas e modinhas surgem e ressurgem não mais a cada ano, mas a cada semestre. Se duvidar, a cada mês. Os acessórios são peças de alta rotatividade e abrem um espaço significativo para a expressão do bom, do mau e do gosto ausente.

Porém, não entendo a razão deste fenômeno expansivo, se o que mais ouvimos e presenciamos são pessoas sempre correndo, ofegantes e ansiosas para desincumbirem-se de seus compromissos. Triste, não é? Elas não realizam atividades, não constroem ações, não compartilham encontros, não participam de eventos... elas desincumbem-se, desobrigam-se de tarefas. Será este o mesmo sentido dado para o viver: um compromisso do qual é preciso se desobrigar? Robert Stevenson, neste sentido, afirma: "Temos tanta pressa em produzir, escrever e fazer ouvir nossa voz no silêncio da eternidade que esquecemos a única coisa importante: viver."

Como a correria é grande e veloz, uma verdadeira maratona diária, penso não ser mais possível um sono reparador para estas pessoas, mas seu desmaio por exaustão. A troca de roupas deve certamente representar a perda irreparável de minutos preciosos para o cumprimento de suas obrigações. Assim, não será bem mais confortável e prático a padronização ou uniformização do vestuário? Tênis, meias, camiseta, calças e casaco esportivo. Muito mais agradável, cômodo, adequado e econômico, diga-se.

Muitos destes maratonistas transformam sua vida em uma engrenagem que funciona num ritmo alucinante e desesperado, esforçando-se angustiantemente para acrescentar tempo no próprio tempo. Não conseguem mais distinguir para onde vão, apenas vão como sonâmbulos, entorpecidos e esmagados pelo próprio eu. Perderam-se no tempo e nem mais sabem qual o tempo do tempo num tempo em que quase ninguém tem tempo para sentir, para ouvir, para ter amigos, para ser pai ou mãe, irmão, avó, cônjuge, para ser humano.

No livro A sabedoria da tartaruga, há passagens bastante interessantes sobre toda esta temporalidade e o uso abusivo do tempo. Nelas, encontramos que, atualmente, ser lento é sinônimo de ineficiência, estupidez ou inutilidade. Tudo tem de estar disponível imediatamente. A impaciência, a rapidez e a urgência se impõem. Não mais controlamos o tempo, mas somos controlados por ele e passamos a sofrer a doença da pressa, pois estamos infectados por ela, pelo vício do trabalho, pelo estresse, pela síndrome de burnout e pelo narcisismo.

José Trechera diz mais: não tem porquê a associação entre desenvolver-se com lentidão e viver com preguiça ou apatia. O fundamental é fazer bom uso dessa lentidão; Talvez não ser tão lento e sim atuar com talento. Eis aqui a sabedoria da tartaruga: sem pressa, mas sem pausa.

Esta cultura da aceleração, da velocidade, da rapidez talvez explique um pouco do menosprezo ou da desvalorização que muitas pessoas dispensam aos idosos, aos aposentados por tempo de serviço ou por invalidez, por aqueles que fizeram a opção de não se deixarem ser engolidos pelo emaranhado e rotina da máquina da pressa, que percebem a vida como uma série de aprendizagens e toda aprendizagem requer tempo para estudo, reflexão, exercício e avaliação. O que importa é a produção e, preferencialmente, a producente do dinheiro, da circulação da moeda. Esquecem conceitos e preceitos. Para muitos, o trabalho deixa de ser toda ação útil e construtiva. É toda ação economicamente rentável. E daí, continuam correndo, correndo, correndo e sendo infelizes, amargos e pesados porque nem sempre correm como desejam, para onde desejam e com quem desejam. Tornam-se insatisfeitos e, num belo dia, olham para os lados e nada e ninguém veem porque amigos, familiares, amores e afetos foram deixados para trás. Eles não tinham lugar nesta corrida e poderiam ser competidores. Olham para dentro de si e assustam-se ao verem a felicidade e o prazer já caducos, sentadinhos na sua cadeira de balanço, cansados de tanto esperar e anêmicos pela carência de serenidade, alegria, divertimento e vida, enquanto a pessoa corre, corre, corre, corre e corre de si mesma.

Entretanto, há os maratonistas não só do trabalho, mas de tudo feito ao mesmo tempo. Não querem deixar nada, abrir mão de algo. Trabalham, estudam, namoram, leem, dançam, vão ao shopping, tomam banho, almoçam, praticam esportes, vão ao cinema, preparam-se para tirar a carta de habilitação, fazem algum curso de idiomas, limpam a casa, fazem bolo, assistem o jogo do futebol do time do coração, participam de manifestações sem saber exatamente do que e para que... Enfim, fazem uma mistura: quando no cinema, pensam no trabalho; no curso de idioma, pensam no namorado; namorando, pensam na receita do bolo ou no gol anulado; na leitura, desconcentram-se ao lembrar do horário da formatura do primo da vizinha; no trabalho, lembram de passar na loja para comprarem pneus novos, verificarem por que o celular não funciona, pagar a conta da luz...

Este desordenamento todo acontece e nos remete a uma grande preocupação: será que esta pressa já não invadiu a infância, a juventude, a adultez e a velhice, confundindo a todos? Por decorrência, será este um dos motivos para que alguns idosos tornem-se jovens tardios e algumas crianças sejam adultos precoces? É isto que desejamos para nós, além de sermos corredores ou atletas do tempo, fugitivos da nossa vida?

Em todo caso, pelo menos eu já sei qual presente dar para algum familiar, colega ou amigo: camiseta, sapatilhas de corrida, mochila, agasalhos esportivos, roupa de ginástica...


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