TECO-TECO DO JORNAL

   Escrito por Sonia B. Hoffmann
   E-mail soniab27@terra.com.br
   Porto Alegre, abril de 2011.

Quando criança, minha família veraneava em uma pequena praia do litoral norte gaúcho - agora um município. Passávamos lá os meses de janeiro e fevereiro, entre o trabalho e a diversão, pois meu pai não admitia somente a segunda hipótese: tudo que fizéssemos deveria ter um retorno, preferencialmente financeiro. Este jeito de lidar com a vida me trouxe muitos benefícios para o futuro, pois tal comportamento paterno entremeado com os preciosos conselhos maternos me deram sustentação emocional e física para encarar a vida, seus desafios, suas responsabilidades; ânimo para o trabalho e para o recomeço.

Aos poucos, aquele vilarejo praiano começou a desenvolver-se e novos veranistas surgiram. Com eles, vieram hotéis, açougues, armazéns, uma sorveteria e até um cinema. Um luxo para a época. A energia elétrica, no entanto, ainda era distribuída por meio de um gerador central. Meia hora antes de encerrar o serviço nas casas, o Joca - um homem extremamente alto e magro responsável pelo acionamento e desligamento da engenhoca - dava três pequenos picos de luz para que as pessoas buscassem as velas e preparassem os lampiões. Pessoal, não estou falando de 1800. Isto acontecia no século XX.

As estradas eram bastante precárias. Algumas ocasiões, a viagem durava quase um dia. Os ônibus assemelhavam-se a gaiolas, seguiam pela beira do mar, desviando de arroios e de ondas . As bagagens eram transportadas amarradas no teto. Uma vez, levamos nosso cachorro policial dentro de um baú de vime. Ficamos torcendo para ele não latir.Anos depois, íamos de carro. Daí, passamos a levar também no bagageiro algumas galinhas neste mesmo baú... Provavelmente, parecíamos personagens do seriado Corrida Maluca: cinco pessoas, um carro abarrotado de roupas, panelas, alimentos, colchões, cachorros e galinhas!

A utilização de muitos serviços, como o recebimento de jornais e de correspondência, estava bastante prejudicada. Imaginem... Coisas que hoje fazemos em segundos, acessando as várias ferramentas e redes sociais que a informática disponibiliza, naquela época eram resolvidas de forma bem mais complexa e demorada. Mas já era um avanço e tanto. Muitas mensagens alcançavam seus destinatários através do serviço de radioamador. Jornal e correspondência chegavam diariamente, mas sabem como? Por teco-teco. Sim, teco-teco... aquele aviãozinho bem pequeno que mais parecia uma caixinha de fósforo com as hélices de um liquidificador.

A filha de um dos hoteleiros e eu íamos todos os dias para a beira da praia, geralmente à tarde, e ficávamos vasculhando o horizonte. De repente, ele surgia como um imenso pássaro e um enorme saco de pano era atirado lá de cima com os jornais e as cartas tão esperadas. Eu e minha amiga ficávamos aguardando para onde o saco seria arremessado. às vezes, esta trajetória era modificada em função do vento, da chuva ou sei lá de que outra condição da física. Saíamos então correndo e em muitas e muitas oportunidades tivemos de correr muito porque o saco abria-se. O fardinho de cartas desprendia-se e seguia seu rumo. Os jornais, não raramente, se desfolhavam e diversificavam seu trajeto tanto para a areia quanto para a água.

Terminada esta primeira fase da operação resgate, voltávamos para o hotel, separávamos jornal por jornal e, quando necessário, os remontávamos antes de vendê-los. Secávamos algumas páginas e cartas, sempre que preciso, e os deixávamos à disposição dos interessados. Nossa remuneração pelo serviço era um gigantesco sonho feito no forno de lenha do hotel e um copo de guaraná. Para nós, era um manjar!

Talvez, tenha sido esta atividade que despertou em mim o hábito de observar comportamentos, de reunir páginas da vida, de remontar acontecimentos, de extrair do tempo mágoas e melindres como quem retira areia e água de algo e de buscar a possibilidade de resolução dos desafios e dificuldades enquanto espero não mais o teco-teco, mas as próximas aprendizagens oferecidas pela vida para meu desenvolvimento.


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