Em várias oportunidades, pensou em convidar suas amigas para encontros em sua casa, no entanto, os obstáculos e os receios apresentados pelo filho e pela nora foram tantos que achou melhor desistir desse propósito: não a deixavam fazer mais nada, mesmo aquelas tarefas das quais estava tão acostumada que até mesmo de olhos fechados saberia realizar.
- "Orientação e Mobilidade diz respeito ao desenvolvimento de habilidades da pessoa com deficiência visual em movimentar-se no ambiente", informava a Professora Maria Luíza. "É um processo bastante amplo, dinâmico e flexível, pois para construí-lo é preciso levar em consideração não somente as condições físicas do meio e da pessoa, mas principalmente as condições emocionais, culturais e sociais da pessoa com deficiência visual, dos seus familiares e daqueles que circulam frequentemente em seu ambiente".
"Levar em consideração principalmente as condições emocionais...", repetiu Anita. "Como meus filhos e noras têm receio da minha cegueira; até mesmo Madalena, que trabalha conosco há tantos anos, às vezes me trata como uma inválida, segurando-me pelas duas mãos ou querendo me sustentar pela cintura", pensava ela.
- "Vários são os recursos e as estratégias utilizados no processo de Orientação e Mobilidade: o ensino e o uso da bengala branca é o mais comum, embora a sua aceitação não seja tão espontânea assim, Porque a bengala tem muitos simbolismos, de acordo com o entendimento de cada um", esclarecia a professora.
Anita recordava-se muito bem do dia em que comentou sobre a possibilidade de passar a usar um bastão para proteger-se de batidas e para orientar-se com mais precisão.
- Ora, mamãe! A senhora já é uma pessoa idosa, não fica bem andar sozinha por aí, mesmo que seja no condomínio. O que vão pensar? Que somos uns desalmados! E nós trabalhamos o dia inteiro, não temos tempo para passear no meio da manhã ou da tarde com a senhora.
- Pense bem, Dona Anita... quando as pessoas a virem com uma bengala, logo vão se dar conta de que a senhora não enxerga... Podem começar a fazer troça ou a importuná-la... e até mesmo a tirar da senhora alguma coisa e fugir, argumentava sua nora preparando-se para fazer um lanche com as filhas no shopping.
- Mas eu quero apenas caminhar aqui pelo condomínio, tomar sol... e uma vez ou outra, ir na confeitaria ao lado comprar pão, docinhos ou salgadinhos para um lanche... me sentir um pouco mais viva, mais útil!
- Tomar sol é fácil resolver, disse um outro filho. Basta colocar sua cadeira perto da janela da sala. Quanto à confeitaria, Madalena telefona para lá e pede para entregarem sua encomenda, ou ela mesma vai buscar. O que não é possível é a senhora colocar em risco sua segurança e sua saúde. Já pensou se a senhora tropeça, quebra a perna e tem de ir para um hospital?
- Tropeçar e cair podem acontecer aqui dentro de casa mesmo, meus filhos, ponderou Dona Anita.
- Está bem, mamãe, vamos pensar no assunto e depois voltamos a conversar, finalizou um dos filhos, já bastante alterado, pois achava que a mãe já não estava em condições de decidir o que fazer da vida: estava idosa, cega e com ideias malucas de sair com uma bengala.
- "Para o uso da bengala, é muitas vezes necessário um acompanhamento psicológico não apenas do seu usuário, mas também a escuta e o acompanhamento da família e daqueles indivíduos significativos para o desenvolvimento da vida da pessoa com deficiência visual."
- Que ótimo ouvir isto!!! Vou registrar o telefone desta associação e conversar com a Professora Maria Luíza. Tenho certeza de que, juntas, acharemos uma solução para meu caso, disse Anita sorrindo, enquanto pegava seu gravadorzinho.
Texto escrito por Sonia B. Hoffmann
Porto Alegre, abril de 2009
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