UMA QUESTÃO DE PERFIL
Moura é bastante popular no estabelecimento em que atua como professor. Os alunos, familiares e demais colegas sentem-se confiantes e seguros com suas orientações e sua seriedade na forma de conduzir o processo construtivo do ensino-aprendizagem da Orientação e Mobilidade (OM). Ele atribui esta popularidade à sua constante busca em não confundir seriedade com sisudez e não adotar uma postura distante ou superprotetora frente às necessidades e interesses do aluno.

Questionado, em um curso de formação de professores em OM, sobre o perfil a ser desenvolvido por este profissional, Moura considerou a importância dele. Primeiramente, pensar no aluno como alguém que está se (re)conhecendo; como alguém que, naquele momento, confronta-se com suas limitações e possibilidades.

- Por isso, dizia ele entusiasmado, devemos atuar como mediadores ou facilitadores, sabendo sair de cena na hora e de forma adequadas para que o aluno seja realmente o protagonista da sua história.

- Sendo assim, Professor Moura, qual deverá ser nosso comportamento diante destas situações de (re)descobertas, perguntou Simone, uma das alunas deste curso.

- É imprescindível um comportamento ético, respeitoso e criativo.

- Como se defini "ser criativo" neste contexto, indagou Teresa.

- Define-se com a capacidade de escolher adequadas situações que demandem do aluno a busca de soluções, diversificando o máximo possível suas vivências em OM enquanto ele se encontra ainda sob o nosso olhar vigilante e atento, respondeu o Professor, serenamente, convidando os alunos do curso a listarem um conjunto de sugestões.

- Caminhar por ruas de diferentes calçamentos, e até sem calçamentos, com e sem degraus, planas ou íngremes, mesmo que não more em um local assim, foi a colaboração de Raul.

- Transportando mochila, sacola pesada ou qualquer outro objeto que faça com que ele busque um ponto de equilíbrio, inclusive chapéu ou guarda-chuva, acrescentou Karine, pois assim o aluno aprende a administrar as alterações de peso e pressão que seu corpo pode sofrer.

- Bem, se é para o aluno buscar novos pontos de equilíbrio, é também necessário que ele aprenda a fazer suas caminhadas usando diferentes calçados como tênis, chinelos, sandálias, sapatos com ou sem saltos e, se possível, com solados também diferenciados. Já presenciei algumas pessoas cegas com problemas nos seus deslocamentos, porque estavam habituadas a andar tão-somente com este ou aquele calçado, posicionou-se Lígia.

- Fazer a caminhada com passos lentos e rápidos, subindo degraus de modo intercalado e passo a passo, em dias ensolarados, chuvosos ou com vento, sugeriu Sara.

- Pelo jeito o aluno precisa ter um preparo físico e tanto, não é mesmo, Professor Moura? - brincou Leonardo.

- Não somente ele, mas nós professores também, porque se surgir alguma situação inesperada, perigosa ou constrangedora, temos de agir rapidamente e com precisão.

Os alunos remexeram-se nas cadeiras, avaliando discretamente as suas condições e forma física.

- Acredito, então, que as condições emocionais do profissional para o desenvolvimento destas atividades também sejam importantes.

- Certamente, Sara. Antes de profissional, somos também pessoas e, como tal, temos de desenvolver a habilidade de administrar nossos sentimentos diante das situações trazidas pelos alunos e aquelas vivenciadas por nós mesmos para estabelecermos com o aluno uma relação harmônica e saudável.

Após alguns segundos de silêncio, Celina, pensativa, indagou sobre o porquê da grande dificuldade do professor em estabelecer com o aluno este tipo de relação.

- Justamente pela nossa incapacidade momentânea ou contínua em gerenciarmos a distância necessária em uma relação, respondeu Moura, aproximando-se e afastando-se dos alunos.

- Pode elaborar conosco este raciocínio, Professor, pediu Ester, manifestando, sem saber, o desejo dos colegas.

Em algumas oportunidades, temos a tendência de ficarmos tão próximos que acabamos por "sufocar" este aluno, não deixando espaço suficiente para que as descobertas surjam ou ressurjam. Em outras oportunidades, mantemos uma distância tão grande que torna-se inviável qualquer escuta ou percepção deste aluno.

- Escuta do aluno?... Precisaremos usar estetoscópio, Professor?

Moura riu da gaiatice de João, aproveitando a oportunidade para assinalar que o profissional de OM também deve prestar atenção ao seu humor, porque, em alguns momentos, tensões e transtornos podem surgir e um bom ou mau humor inadequado do professor ao momento vivido pelo aluno poderá ser mal interpretado e gerar conflitos. Em seguida, retomou seu raciocínio, explicando que a escuta do aluno, ou ouvi-lo, significa conversar não somente com este aluno, mas com uma pessoa, um ser desejante e com uma bagagem própria, a qual somente ela tem o direito de nos mostrar.

- Há pessoas com dificuldade para se mostrarem, para falarem do impacto que sentem diante daquilo que acontece dentro de si ou à sua volta, seja por timidez, desconfiança ou medo de que mais alguém conheça suas "falhas" e de que isto seja passado adiante, argumentou Glória.

- Neste momento, responde Moura, precisamos analisar o nosso comportamento e as estratégias utilizadas a fim de identificarmos se estamos realmente deixando um espaço adequado para que se estabeleça um vínculo sadio e produtivo; e complementa, dizendo:

- Não é suficiente sabermos sua idade, diagnóstico clínico e tempo de cegueira. Mais do que isto, precisamos saber da sua biografia, da sua história de vida, das vivências e experiências pelas quais passou ou espera ter ao longo da vida.

Moura observa o semblante pensativo dos alunos... Já estava no horário do término daquele encontro e ele aproveita os últimos minutos para incentivá-los:

- Desejo que todos vocês sejam bem sucedidos como profissionais de OM. Quando sentirem-se perdidos ou desencorajados, busquem no bom senso o rumo a seguirem e não esqueçam jamais: sejam para seus alunos o profissional que vocês gostariam que seus filhos ou outros familiares também tivessem. Sigam em frente e persigam seus sonhos e objetivos. Sejam felizes!


Texto de Sonia B. Hoffmann
Porto Alegre, maio de 2009

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