A PESSOA CERTA NA HORA CERTA

Henrique e Leonardo chegaram ao centro da praça.

- Aqui está ótimo, Léo. Toma a bengala e vem em minha direção.

- Como assim "vem em minha direção"? Onde você está, Henrique?

Henrique se afastou alguns passos de Leonardo e começou a bater palmas.

- Não está ouvindo minhas palmas? Caminha em direção a elas!

Léo fez o que o irmão lhe pedira, mas aos poucos sentia-se cada vez menos confiante. O ruído do trânsito confundia-se com as vozes dos pedestres, com as risadas das crianças, com os sons característicos dos balanços e os gritos dos torcedores de futebol que estava acontecendo na quadra de esportes da praça.

Isto tudo atormentava Léo, já sem entender o que era o que. Ele não sentia-se seguro naquele espaço aberto. "Talvez, se o treinamento fosse primeiro em um espaço fechado, eu entenderia melhor o que está acontecendo", pensava ele em silêncio.

Léo deu mais alguns passos, porém, estava tão desorientado com todo aquele barulho que não identificava mais as palmas do irmão, acabando por sair do caminho acimentado e passar para o gramado sem perceber.

- Vamos, Léo! Presta atenção em minhas palmas, dizia Henrique cheio de boa vontade.

- Não dá, mano. Não consigo. Minha cabeça parece uma caixa cheia de marimbondos! A impressão é que um carro vai passar por cima de mim, que as crianças estão dentro do chafariz e o sorveteiro está girando, girando, girando.

- Mas esquece tudo, Léo. Ouça apenas minhas palmas!

- Escuta, Henrique, quem sabe a gente faz no pátio lá de casa uma pista imitando uma rua?

- Lá vem as ideias mirabolantes! Uma rua é diferente da outra, Léo.

- Mas a gente faz a pior possível ou, então, misturamos nesta pista tudo que se pode encontrar em uma rua. Quando eu chegar em uma rua de verdade, vou estar mais acostumado. Não acha?

- O que eu acho é que você está enrolando e dando um jeitinho para não continuar com a caminhada. Vamos, pega a bengala e a coloca na frente do corpo da maneira que eu já vi outros cegos usarem.

Léo respirou fundo e recomeçou a caminhada, usando a bengala como o irmão achava que deveria ser. De repente, tropeçou na mureta de um canteiro e caiu ajoelhado. Cansado física e emocionalmente pela tensão, ele atirou a bengala no chão.

- Henrique, agradeço muito este desejo de me ajudar, porém, não posso ficar atrelado ao barulho de palmas. Você não poderá andar a vida inteira a minha frente para me mostrar o caminho! Deve haver alguma outra solução.

- Sei disto, Léo. No entanto, há tantos cegos andando por aí. Será que eles não começaram assim?

Sentado em um dos bancos, Leonel observava a sucessão de cenas protagonizadas pelos dois irmãos. Percebendo o mal-estar deles, aproximou-se lentamente.

- Bom dia, rapazes. Meu nome é Leonel. Estava lendo o jornal sentado em um dos bancos e o exercício de vocês me chamou a atenção.

- Bom dia. Meu nome é Henrique e este é meu irmão Leonardo. Ele está treinando caminhar com a bengala.

- Acho que ele quis dizer que estou me arrastando com a bengala, disse Léo desanimado.

- Me parece que você não está muito satisfeito com este treinamento, não é Leonardo?

- Na verdade, estou me sentindo muito mal com tudo isto!

- E como é seu sentir-se mal, Léo, perguntou Leonel observando atentamente a fisionomia do rapaz.

- Sinto minha cabeça zonza, minhas costas doem, sinto meus pés afundarem no chão e os sons dançando no ritmo de um funk misturado com rumba.

- O senhor conhece alguma coisa sobre bengalas, perguntou Henrique notando a atenção dispensada por Leonel à situação.

- Sim, Henrique. Desculpe, apenas disse meu nome. Sou professor de Orientação e Mobilidade em uma instituição de pessoas com deficiência visual.

- Que legal, respondeu Henrique, dando-se conta logo a seguir de que não sabia o que Orientação e Mobilidade significava.

- Orientação e Mobilidade, explicou Leonel resumidamente, é todo um conjunto de estratégias que auxiliam a pessoa com deficiência visual a desenvolver habilidades de orientar-se no espaço e deslocar-se no ambiente com segurança, precisão, significado e produtividade.

- Então o senhor entende de bengalas e pode me ajudar, animou-se Léo.

- Bengala é somente um dos recursos usados em Orientação e Mobilidade. Quanto a ajudá-lo, eu ou outro profissional, apenas será possível se você realmente quiser esta modificação em sua vida.

- A bengala é apenas um dos recursos? Então existem outras possibilidades ou outras técnicas para circular por aí, indagou Henrique entusiasmado.

- O senhor pode começar a me ajudar agora?-

- Calma, Léo! Que tal primeiro a gente sentar-se à sombra, beber uma água gelada e aproveitar um pouco o astral desta praça, convidou Leonel.

- Mas no meio da nossa conversa, o senhor pode nos dar algumas dicas, não é?

- Hoje, Henrique, posso sugerir ao Léo que ouça diferentes sons e aprenda a identificá-los e interpretá-los, como por exemplo, se estão longe, perto, acima ou abaixo. Vou pedir também que seja providenciada uma bengala de tamanho mais adequado à altura do Léo.

- E existe este cuidado, é? Eu nem desconfiava disto!

- Uma bengala pequena para uma pessoa alta é prejudicial não somente para suas costas, mas também ao desenvolvimento da sua caminhada. O adequado é usar uma bengala com o comprimento que vai do chão até a base do osso do peito, ou esterno, do seu usuário. Mas isto e muito mais poderá ser informado se você, Léo, passar a frequentar um curso de Orientação e Mobilidade. Agora, rapazes, vamos procurar um banco para sentarmos?


   Escrito por Sonia B. Hoffmann
   Porto Alegre, 20 de julho de 2009

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