SUPOSTOS BENEFÍCIOS RESULTANTES DA CEGUEIRA
Por Thomas J. Carrol


Entre as muitas pessoas que estudaram a análise das perdas resultantes da cegueira, não poucas, sugeriram que há também os benefícios, a par das perdas oriundas da cegueira, e que estes também deveriam ser mencionados.

Estou convencido que os supostos proveitos ou benefícios são acidentais, que eles não são de forma alguma universais e que quando existem, são ocasionados mais pela cegueira do que causados por ela. Mas, já que algumas pessoas crêem que certos proveitos podem existir, seria tão acertado examiná-los.

Não são pouco freqüentes o que poderíamos chamar benefícios vocacionais entre pessoas que perderam a visão. Entre indivíduos que em particular, ficaram cegos, em serviço militar, muitos há que supostamente haviam encerrado sua educação, talvez, em nível de escola secundária e cuja finalidade vocacional tinha sido planejada em termos de graus de habilidade menor ou média e que após a cegueira, reavaliaram suas pretensões e foram freqüentar escolas de nível superior ou trabalhar em áreas profissionais ou semiprofissionais. Também, na vida civil, no seio das famílias cujas crianças abandonam a escola cedo, por um emprego, muitas vezes, o indivíduo cego desta família prossegue sua educação, num nível mais alto e encontra sua vocação acima da escola profissional.

Isto poderia ser certamente considerado como um "benefício" da cegueira, dentro do nível vocacional. Entretanto, na minha experiência, isto significaria mais do que um contraste dentro do número de casos onde se evidencia um completo rompimento do objetivo vocacional proposto. Uma das razões pelas quais as famílias educam a pessoa cega é porque muitas oportunidades de nível inferior ou médio no campo de trabalho estão fechadas para ela. Porém, muitas vezes, o cego instruído confronta-se com novas frustrações, quando ainda se depara com menores oportunidades no nível mais alto.

Aquilo que poderia ser chamado de "benefício do pensamento" também existe. É certo que a cegueira concede a muitos a oportunidade de um pensamento mais abstrato. A própria liberdade de objetos visualizados e concretos das muitas distrações que são visuais, concede a algumas pessoas a oportunidade de dar origem a uma forma de pensamento, para o qual, de outra maneira não teriam a energia ou inclinação suficientes. Por outro lado, existem muitas distrações na cegueira em si mesma, e a própria confusão dos graves problemas emocionais podem manter o indivíduo somente com pensamentos introvertidos e bloquear qualquer pensamento abstrato.

Pude ver, tanto pessoas que não obtiveram benefícios quaisquer que fossem nesse setor, como muitas que tinham maior tendência para falar e menor para pensar; e sendo assim, não posso considerar isto um proveito em geral. Repetindo, devemos apresentar o que pode ser considerado como: "benefícios para auto-imagem"; pessoas que tinham pouca estima por si mesmas e por sua posição na sociedade, parecem subir no próprio conceito pessoal como resultante da sua cegueira. Aparentemente, tomam partido disto, assumindo o papel de heróis ou de mártires.

Estes casos não são raros. Aquele que nunca se distinguiu, é agora, como indivíduo cego, pelo menos alguém diferente na sua comunidade. Possui algumas habilidades, certas capacidades sensitivas que outros não desenvolveram e como resultado pode encontrar quem lhe dispense admiração e isto é novo para ele. É possível que isto conte como beneficio para alguns, mas é difícil de se dizer até onde vai este proveito e até onde é aceito e usado como um substitutivo na maneira de encarar as realidades da situação. De qualquer forma, não se trata de um proveito geral e que poderia ser considerado como parte do padrão de resultado da cegueira.

Proveitos de compreensão também devem ser mencionados aqui – porém constituem mais o resultado da reabilitação do que o da cegueira. Chegando ao conhecimento das suas próprias reações aos múltiplos traumas da cegueira, o indivíduo cego pode ter uma compreensão mais clara da sua reação à outras coisas da sua vida e de todo seu ajustamento. Isto pode ser de grande valia para ele nas suas relações com outras pessoas e quanto à sua total segurança interna, podendo torná-lo apto a auxiliar outros indivíduos por estes meios, coisa que não faria de outra forma. Aqui, também os proveitos obviamente não resultam da cegueira em si, mas dos discernimentos adquiridos durante o processo de reabilitação.

Muitos falam de benefícios que poderiam ser chamados de "reconhecimento daquilo que é bom no mundo". Dizem que a cegueira leva certos indivíduos, pela primeira vez, a reconhecer quanta coisa boa há no mundo; a realização do número de pessoas a ajudar, sair de seu próprio caminho, muitos há que levam uma vida tão em torno de si mesmos que comumente não se apercebem dos atos bons e generosos do próximo e somente despertam quando se encontram amparados pelo amor e carinho dos outros. Porém, esta experiência não é universal. Muitas pessoas já estão alertas ante a bondade e ajuda e muitos que não se apercebem disto antes da cegueira, continuam na mesma, após a cegueira.

Muitas pessoas cegas que afirmam que somente agora reconhecem e apreciam a bondade do mundo, fazem-no com uma certa subserviência, mostrando que, enquanto pensam que deveriam proclamar estes sentimentos, estão realmente, se sentindo culpados porque estão mais repletos de ressentimentos do que de gratidão. Tal benefício, onde quer que exista, não pode, portanto, ser considerado como um proveito intrínseco à cegueira.

Falam outros do benefício da amizade que não é inteiramente distinta do precedente, porém, bem mais particularizado. Há os que afirmam que não fosse pela sua cegueira jamais teriam conhecido este ou aquele bom amigo. Além disso, há muitos casos em que a cegueira foi uma oportunidade para se travar conhecimento com o futuro cônjuge. Muitos indivíduos cegos do serviço militar, por exemplo, conheceram moças encantadoras que mais tarde se tornaram suas esposas e que, provavelmente, jamais teriam conhecido se sua cegueira não os tivesse levado a um determinado hospital. Também na vida civil, a cegueira não poucas vezes foi causa de um homem cego encontrar sua futura esposa e a mulher cega encontrar seu futuro marido. Ninguém poderá negar que fazer um bom casamento e fazer bons amigos não seja um benefício, um proveito. Há, porém casos, nos quais a cegueira e as tensões que dela advêm, ocasionaram graves pressões nas relações conjugais existentes, onde chegou-se a ter motivo para a ruptura de um casamento e também muitos casos em que até bons amigos sumiram. Aqui também se torna difícil encontrar qualquer padrão que apresente algo como sendo um benefício ou ganho universal.

Muitas pessoas mencionam um proveito no esquecimento da feiúra do mundo. Será este suposto benefício um benefício real? Não seria mais, como se diz comumente, uma fuga à verdade? Se a realidade da cegueira leva um indivíduo a um reconhecimento maior de "como ainda existe a bondade mesmo entre os piores" - então, isto será louvável para equilibrar sua escala de valores.

Contudo, freqüentemente, as circunstâncias pretendem indicar satisfação, no fato do indivíduo não precisar mais ver o que há de feio – tanto a feiúra física, como a feiúra mora. No entanto o mundo como ele é contém o mal e a feiúra, tanto moral como física. O fato do indivíduo não mais poder ver a feiúra física não lhe dá o direito de fechar seus outros sentidos e seu espírito à realidade e de se refugiar num mundo de sonhos que não existe. Enquanto o mundo existir como ele é, faremos bem em viver nele - dando o melhor de nós para melhorá-lo, sem, contudo negar a verdade a nós mesmos ou a quem quer que seja, não tentando inventar um mundo só para nós.

Este "benefício", portanto, não é um "proveito". Outrossim, é perigoso por causa dos prejuízos que podem, ocasionar no ajustamento psicológico do indivíduo e também porque pode parecer uma permissão para escapar às suas responsabilidades.

Por outro lado, há também o benefício da descoberta de energias até então ignoradas. Acredito que algumas pessoas, realmente, têm experiência deste proveito, no final do processo de reabilitação. Não é coisa diversa do que acontece com muitos indivíduos em combate em tempo de guerra. Durante toda sua vida de adultos, eles temeram sucumbir sob um colapso diante de um evento grave. Experimentando tal dificuldade e julgando-se capazes de enfrentá-la, encontram pela primeira vez, uma confiança verdadeira em si mesmos. Isto não acontece para todos aqueles que precisam de novas forças, como também, nem todos precisam enfrentar desgraças para passar por tais experiências. No entanto, para aqueles a quem tais coisas aconteceram, isto poderá ser considerado como um proveito - embora resultante da recuperação de golpe da cegueira, do que do próprio golpe.

Finalmente, pode haver um benefício possível, na reorientação dos valores temporais e eternos. Algumas pessoas que perdem a visão ganham um reconhecimento de que as finalidades temporais, nas quais toda sua vida se baseava, não tem o valor que se lhes atribuíam. Vêem, pela primeira vez, alguma coisa da necessidade de trabalhar e lutar por valores que perduram. Sem dúvida alguma, trata-se de um benefício, quando acontece - esta nova visão de valores, embora não alcançando todos os que perdem a vista - sendo que muitos já se haviam enriquecido com estas verdades, mesmo antes de ficarem cegos. Todavia, sendo de proveito para alguns, não pode ser considerado um benefício geral e como tal, não fazem parte de nenhum molde de proveitos resultantes da perda da visão.

Ninguém deseja negar a fita de prata que há atrás de muitas nuvens escuras, mas é uma atitude desastrada, daqueles que teimam em procurar a fita de prata, ao invés de providenciar uma capa-de-chuva. A cegueira é grave, devastadora, até mesmo desastrosa. A atitude de Pollyanna permite que se negue o fato, mas não que se o conquiste. Muitos indivíduos aproveitam as circunstâncias as mais difíceis - até mesmo a cegueira - para se aperfeiçoarem. Para a maioria das pessoas nada há na natureza da cegueira em si mesma, da qual possam tirar proveitos. Para a maioria delas, não passa de uma série de perdas graves.


CARROLL, Thomas J. Cegueira: o que ela é, o que ela faz e como conviver com ela. São Paulo [s.n.] 1968, cap.8.

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