Evidências demonstram o hábito recorrente de buscarmos definições e padronizações a partir das quais classificamos ou rotulamos os comportamentos, posturas e atitudes do ser humano. Posteriormente, sentenciamos suas formas de expressão em adjetivações como bom-mau, certo-errado, quase sempre na perspectiva da análise do efeito e não da origem da adoção do seu modo de ser, estar ou agir.
O comportamento e o controle motor, significantes de uma linguagem
corporal manifesta na postura, oportunizam a informação e a leitura da
presença ou não de dificuldades, compensações e ajustamentos pessoais à
manutenção biomecânica do equilíbrio suficiente para a realização da
atividade com o mínimo de esforço possível em uma determinada situação e
condição motora. Logo, percebe-se que a postura envolve todo um jogo de
equilibrações e desequilibrações dos diversos segmentos
musculoesqueléticos e osteoarticulares, com a melhor distribuição do
esforço e o favorecimento da mínima sobrecarga ou estresse destes
segmentos durante a realização com eficácia de tarefas cotidianas.
Eficácia, no entanto, nem sempre implica ou possibilita harmonia e plasticidade do movimento, mas ajuste e adequação corporal necessárias ao alcance do objetivo do gesto motor e da manutenção da postura mesmo quando em posição estática. Este modo de percepção de postura não representa, obviamente, um convite para o abandono injustificado das concepções até hoje trazidas por diversos autores e pesquisadores deste tema, mas um indicativo da urgência em revisitarmos e analisarmos a rigidez de algumas definições estabelecidas e fixadas por tantos profissionais no que diz respeito à avaliação e ao processo postural.
O dia a dia mostra a presença e a circulação de inúmeras pessoas que, por este ou aquele motivo, não apresentam condições de envergarem uma postura academicamente definida. Muitas apresentam deformidades e alterações musculares, ligamentares e ósseas irreversíveis geradoras de grande ou total impossibilidade para a adoção e manutenção da verticalidade ou correção corporal enquanto realiza sua atividade. A exigência de uma postura conceitual, em muitos destes casos, pode significar a perda da funcionalidade da ação e a desmotivação para o convívio social por uma pessoa nesta condição; depois, simplesmente não existe mais espaço para perpetuarmos o mito do leito de Procusto.
Leo Buscáglia, em seu livro Os deficientes e seus pais, nos apresenta um exemplo bastante ilustrativo do quanto a inflexibilidade no entendimento do comportamento e da postura de uma pessoa pode causar consequências constrangedoras:
"Nunca esqueceremos o dia em que levamos nosso filho, Tom a um
restaurante local para comemorar seu aniversário", conta uma família.
"Ele fazia dez anos e todos estávamos vestidos com nossas melhores
roupas e prontos para uma verdadeira comemoração! Para usar um
eufemismo, a paralisia de Tom não faz com que uma refeição seja o
acontecimento mais organizado, mas aprendemos a conviver com esse fato,
e ele parece já não ter mais importância. O que importa é que ele pode
comer sozinho e isso é uma grande coisa.
Exceto por sujar a boca e o queixo com a comida e por um babar
pouco, ele se sai muito bem. Bem, nesse dia ele estava se comportando
particularmente bem, e estávamos nos divertindo muito. Então, a certa
altura, quando saboreávamos o prato principal, as pessoas na mesa
próxima à nossa se levantaram e marcharam para a saída do restaurante.
Ao passar pela mesa onde estávamos, a mulher olhou diretamente em nossa
direção e cuspiu: REPUGNANTE! Ouvimos enquanto ela saia resmungando:
"Como se espera que pessoas decentes comam vendo isso?" "Quando por fim
veio o bolo, as velas não pareciam tão brilhantes e Tom não se deu ao
trabalho de apagá-las. Esse foi o seu décimo aniversário!" (p.116-117).
Contudo, se por um aspecto existe esta referida rigidez conceitual de postura por muitos profissionais atuantes na área do movimento, notamos a persistência de um posicionamento condescendente e generalizante quanto a adoção de atitudes posturais e motoras, chegando-se as raias da estereotipização principalmente de um grupo de pessoas que apresentam o mesmo tipo de deficiência. Um exemplo clássico é encontrado na referência e descrição da postura de pessoas cegas feita por alguns autores. Segundo sua opinião, tipicamente, elas apresentam flexão de cervical, tronco e joelhos; retrações da musculatura posterior das coxas; ptose ou queda da musculatura abdominal e flacidez dos músculos paravertebrais; marcha de pouca amplitude e passo não fisiológico.
Ora, esta é a descrição postural de alguém sedentário e não necessariamente de uma pessoa cega, que sabemos ser hoje cada vez mais participante das diversas modalidades de manifestações esportivas, educacionais, laborativas e dos movimentos e ritmos sociais. Se algumas alterações em sua postura possam ter continuidade mesmo após sua educação ou reeducação postural, como a inclinação anterior ou lateral da cabeça, por exemplo, devemos então pensar que este seja talvez o ajuste encontrado para captar e decodificar com mais nitidez, funcionalidade e exatidão sons e falas diante da impossibilidade de uma leitura labial ou fisionômica ou na presença de um ambiente sonoramente poluído.
Com estas reflexões, percebemos a extrema necessidade de uma análise mais profunda do significado de boa ou má postura, pois como vimos tanto o alinhamento quanto o desalinhamento dos diferentes segmentos corporais podem causar dores, entraves e perda da funcionalidade do gesto e da expressão postural em algumas situações nas quais devamos então nos referir a posturas mais, pouco ou menos adequadas.
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