Em uma época na qual tanto se fala sobre a importância da inclusão da
criança cega na rede regular de ensino, questionamos em que medida esta
iniciativa é desenrrolada principalmente no seu próprio ambiente
familiar. A resposta será facilmente obtida a partir da observação e
análise das reações, atitudes e posturas adotadas por seu grupo familiar
quanto à disponibilidade e comprometimento para, no mínimo, a
coparticipação no uso de habilidades específicas necessárias para a
criança desenvolver-se.
A aprendizagem e o uso da escrita braille pelos familiares da criança cega representam, em nosso parecer, um forte exemplo do quanto a prática desta inclusão no seu grupo familiar está distante do discurso inclusivo mantido por ele. Isto significa que, se por um aspecto, a família demanda da sociedade o acolhimento, a acessibilidade e a inclusão da criança cega na escola, no parque e em tantos outros espaços de circulação, por outro aspecto este mesmo grupo familiar não acolhe, não oferece acessibilidade comunicativa e delimita a inclusão da criança na rotina da família porque não compartilha com ela a escrita braille.
As hipóteses e justificativas para os familiares não se envolverem com a grafia com pontos em relevo, dentro de uma matriz referencial, derivam de diversas fontes: desde a psicossocial, pois o braille legítima a sua cegueira, até a falta de conhecimento ou de orientação de que a sua utilização pelos familiares traz benefícios e efeitos positivos para além das questões linguísticas que podem ou não ser conquistadas pela criança cega.
Malinski (1995) refere que, primeiramente, a criança cega é beneficiada no aspecto afetivo por ter sua sensação de isolamento reduzida uma vez que encontra outros leitores de braille em sua família e com eles pode comunicar-se de forma escrita. Consequentemente, acreditamos que a criança percebe a importância não apenas acadêmica do braille, aumentando a frequência, a continuidade e as opções para o seu uso.
Outro benefício do braille ser utilizado por familiares da criança cega refere-se à construção do hábito de leitura e escrita e à aquisição do modelo literário adotado pela família, o qual pode se expressar nos bilhetes e mensagens trocados entre si, no registro de passagens e eventos significativos ou na elaboração de outros informativos rotineiramente utilizados pela família (como lembretes, listas, avisos, agendas, catalogação de CDs, DVDs). Estes hábitos e modelos literários podem, por sua vez, impulsionar o desenvolvimento de hábitos sociais, da tomada de iniciativa e do senso de responsabilidade em função da criança cega sentir-se coparticipante na dinâmica familiar.
A autoconfiança e a autoestima, tanto da criança quanto dos familiares, são também positivamente alteradas quando todos se apropriam do processo de leitura/escrita braille, porque a dependência da intermediação de um profissional especializado é reduzida, e o grupo toma para si a responsabilidade e a privacidade da trajetória de vida de cada um dos seus participantes.
A possibilidade de auxílio para a orientação, a solução ou o monitoramento de alguma dificuldade para a realização de uma determinada produção, através do sistema braille ou da aprendizagem do mesmo, também fortalecem esta autoestima e autoconfiança. Em decorrência, os vínculos de afetividade e competência são intensificados.
Um sentimento de empoderamento envolve a criança cega quando percebe que seus familiares se interessam e se preparam para o uso da leitura/escrita braille para sua interação comunicativa, porque ela passa a dimensionar, com esta prática ou não, o quanto e o como sua deficiência visual é aceita e o quanto e o como ela, sujeito, é respeitada e compreendida em suas peculiaridades desde seu ambiente familiar.
Igualmente, esta criança sente-se encorajada a dar continuidade à sua trajetória, investindo e capacitando-se, porque vivencia um discurso e uma prática inclusiva que não é e não acontece somente da porta para fora de sua casa.
A conjunção entre estes benefícios, e outros mais que provavelmente possam surgir, redunda na construção e no fortalecimento de toda uma rede de proximidade e compartilhamento de objetivos, redimensionando a unidade familiar e valorizando a individualidade de cada um dos seus membros como cidadãos copartícipes de uma realidade social que é, ao mesmo tempo, individual e coletiva.
Porém, para o surgimento, a estruturação e a articulação destes benefícios, torna-se necessário que os familiares da criança cega sejam motivados e se motivem para a aprendizagem, aceitação e uso do sistema braille no processo leitura/escrita, entendendo que esta é uma ação adaptativa e não uma ação estigmatizante.
Bibliografia:
- FERREIRA, Windyz B. Educação Inclusiva: Será que sou a favor ou contra uma escola de qualidade para todos? INCLUSÃO - Revista da Educação Especial, MEC, Out/2005.
- FREIRE, Paulo. A Importância do Ato de Ler. São Paulo, Cortez, 1988.
- GLAT, Rosana. Da Educação Segregada à Educação Inclusiva: uma reflexão sobre os paradigmas atuais no contexto da Educação Especial brasileira. INCLUSÃO - Revista da Educação Especial, MEC, Out/2005.
- MALINSKI, Margaret. Why parents learn braille. National Federation of the Blind. A9 1995. Disponível em http://www.nfb.org em 07 de janeiro de 2002.
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