DIVÓRCIO FAMILIAR

   Escrito por Sonia B. Hoffmann
   E-mail soniab27@terra.com.br
   Porto Alegre, março de 2011.

O maior problema da humanidade é o gerenciamento da distância, afirmou um professor. Alguns mantém tamanha aproximação física e emocional de outra pessoa, que ela sente-se sufocada, exausta, com sua individualidade ameaçada e danificada. Outros, porém, conservam deliberada ou inconscientemente um afastamento tão grande e intenso, que uma lacuna forma-se e as interações tornam-se com o tempo até mesmo inviabilizadas.

Contudo, em qualquer dos arranjos estabelecidos, proximidade e distanciamento em excesso, alguma mudança no relacionamento irá natural ou forçosamente verificar-se. Provavelmente, esta alteração terá sua origem fortemente vinculada a questões de ordem afetiva ou das emoções, manifestando-se em mágoas veladas, sentimento de traição e, finalmente, em indiferenças por saturação da asfixia comportamental, do abandono, do desinteresse e da separação.

A arte e a dificuldade da ação de gerir distâncias abrange todas as relações humanas. Seus resultados nocivos assumem as mais variadas proporções, conforme a importância e a significação deste convívio. A doença comunicativa nas (des)interações familiares e o estranhamento parecem, no entanto, atingir as pessoas implicadas com maior intensidade e agressão. Possivelmente, seja esta a relação mais afetada porque sentimentos de apego, confiança, amparo, cumplicidade e lembranças de momentos e fatos vividos em conjunto estejam em jogo e em conflito.

Com o tempo, a maioria daqueles que percebem-se afetados pela discrepância do rigor da vigilância e do domínio e pela divergência do isolamento desenfreado, sofrido e insensível, refugia-se no silêncio e na solidão. Sentimentos e pensamentos, não raramente, são trazidos para a realidade, repassados e transpassados pela análise dolorosa do que resta. Aos poucos, entretanto, com esforço e empenho, é possível um desenredamento sentimental e tem início todo um processo de reforma íntima, envolvendo inclusive a racionalização dos acontecimentos pregressos e atuais. Surge, então, a certeza de que se alguma atitude não modificar o curso desta trajetória, a falência anunciada do futuro será concretizada.

Como medida de salvação e do resguardo de um mínimo de sanidade, a necessidade do rompimento, do fechamento de um ciclo, torna-se indispensável. Talvez, seja esta a atitude mais inteligente a ser tomada nesta circunstância para que também o massacre de personalidades e a mutilação ou o estilhaçamento de vidas não aconteçam de modo tão intenso e devastador. Não trata-se simplesmente de uma desistência, mas de uma organização de valores, da tentativa de preservação de laços ainda descontaminados.

Este rompimento leva ao divórcio familiar e, como ocorre em todas as separações ou desuniões, existem pelo menos duas possibilidades: ou a pessoa permanece chorando sua perda, lambendo suas feridas e vitimizando-se ou encara a realidade e sai para a vida, em busca de novas soluções, de outras respostas, de diferentes construções frequentemente bem mais sadias. O bom senso aponta que esta segunda opção representa um avanço evolutivo, a libertação para o voo do amadurecimento, especialmente para quem tomou a decisão de reconstituir-se pelo aproveitamento das aprendizagens encontradas no dia a dia da humanidade.

Divórcio, entretanto, não implica necessariamente inimizade e desprezo. Pelo contrário. Significa sim a dissolução de vínculos adoecidos, amorfos, sem nexo, provocadores de constantes desavenças e choques afetivos. O divórcio não precisa ser a destruição do relacionamento entre os envolvidos. Pode representar uma pausa para a avaliação dos motivos do fracasso daquela união, para a identificação das causas da infidelidade com os compromissos assumidos no momento que se constituiu o grupo familiar, para a criação ou recriação de um espaço redimensionado que permita a livre mobilidade de sentimentos, pensamentos e comportamentos, que possibilite a autonomia, a independência e privacidade.

Esta separação entre familiares não está disposta no código social, civil e penal. Circula e toma sua conformação no âmbito moral e subjetivo. Deixa marcas profundas e cicatrizes angustiantes, se não for bem tratada, cuidada e conduzida. Mas nem tudo são dores. Quantos relacionamentos recuperaram-se, em diferentes configurações e ajustes, a partir do afrouxamento ou desaparecimento de tensões, medos, cobranças e punições?


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