Escrito por Sonia B. Hoffmann
Porto Alegre, junho de 2011
Muitas empregadas passaram aqui por casa e algumas deixaram lembranças pitorescas, laços afetivos e alguns desfalques de pequena ou de grande proporção.
Como todos temos as nossas estranhezas, hábitos e valores de acordo com aquilo que acreditamos, podemos ou "des"conhecemos, aprendi a conviver bem com determinadas invencionices delas. Uma não lavava as janelas em sexta-feira; outra dava uma pausa no serviço para ajoelhar-se num canto da sala e ler a Bíblia por trinta minutos; outra ainda só passava a roupa, se não estivesse menstruada e assim por diante.
Entre elas, houve uma peculiar. Seu nome era Jurandívia, deste jeito, mas queria ser chamada por Juju. Tinha verdadeira obsessão pela leitura da validade dos produtos alimentícios da minha casa. Nunca tive tantos alimentos fora do prazo adequado de uso. A carne, comprada no dia anterior, estava quase em estado de putrefação no outro. Queijo, presunto e salsicha geralmente já emboloravam três dias depois. Atenção: todos estavam devidamente acondicionados na geladeira ligada e com temperatura regulada.
Aquilo começou a me preocupar, afinal minha deficiência visual não afetou nem o meu olfato e nem o meu paladar! Há quanto tempo vinha ingerindo comida estragada? Depois, nem sempre fazia as compras sozinha.
Numa ocasião, percebi que havia sobrado comida no almoço, depois de nós duas termos feito uma bela refeição. Embora fosse pouca comida, não quis jogar no lixo e nem guardar porque eu ficaria fora por uma semana. Lá veio ela com a solução: "vou levar para meu rottweiler".
Desconhecia este fato, o fato dela ter um cão e este cão ser um rottweiler. Mas era uma escolha dela e eu nada tinha com isto - pelo menos pensava assim.
O tempo passou e as embalagens com os produtos vencidos também... porém, para a casa dela. Seu rottweiler era um fenômeno! Além de comer carne, queijo, presunto, salsicha, sardinha, patê, ele pelo jeito igualmente devorava açúcar, farinha de trigo, gelatina, biscoito, iogurte, pudim, goiabada e até farofa. Sim, farofa! "Meu rottweiler come de tudo. Ele vai gostar da farofa", dizia Juju bem contente com os seus produtinhos na sacola.
Lá no meio do meu cérebro, o alarme tocava cada vez mais alto e rápido. Existia algo de errado naquela história de rottweiler. Haveria mesmo um cão nisto tudo? Comecei a desconfiar e investigar: uma perguntinha aqui, dar corda para a conversa ali e, pensando que eu nada estava relacionando, Jundívia ou Juju foi "soltando o verbo" e a novela chegou ao final.
Sim, existia realmente o tal rottweiler. Juju não era integralmente mentirosa. Mas este era o apelido do seu robusto, vigoroso, feroz e preguiçoso marido. O verdadeiro cão era um guaipeca, um vira-lata puro sangue que nem sonhava em ter sido promovido pela fraudulenta Juju.
Está bom assim ou querem mais? Não sei por onde os dois andam, mas troquei Juju por outra que, naquela época, tinha uma preferência muito especial por trazer trouxas de roupa de casa e lavá-las na minha, pensando que eu nunca fosse descobrir sua idéia tão brilhante. Em outro momento, conto isto para vocês com mais detalhes. Foram tantas que ainda escrevo um livro!
Finalizando, ouso deixar dois conselhos: aproveitem a oportunidade que algumas empregadas oferecem para o exercício do desapego de coisas materiais e, por via das dúvidas, tenham sempre em casa um saco de ração para cães ou gatos!
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