O SONHO DE TIAGO

Na casa, todos já dormiam àquela hora. Num canto da sala, jogada no sofá, Cris pensava sobre os acontecimentos dos dois últimos dias:

- Tia Helena é tão generosa e preocupa-se tanto com Tiago. Está sempre em busca de informações, procurando motivar sua autonomia e independência. Mas Tiago, a cada dia, torna-se mais e mais resistente...

- Falando sozinha, Cris?

- Ah, então eu não sou a única acordada nesta casa, hein, Mano!

- Eu também estou preocupado com o Tiago. Ele está muito ansioso e confuso, quase com medo. Seus pais, então, estão uma "pilha de nervos". Dona Aurora chora e fica em pânico quando pensa na hipótese do filho aceitar a sugestão de Tia Helena. O senhor Francisco falou que, por ele, não existe qualquer problema: a qualquer hora do dia ou da noite, encontrará um jeito para levar Tiago para onde ele quiser e depois buscá-lo também.

- Mas Mano... e quando eles não tiverem mais esta possibilidade, seja porque estejam cansados, adoentados, com outros compromissos, envelhecidos ou mesmo... tenham morrido?

- E quem disse que seus pais querem ouvir ou pensar nisso? Eles ainda pensam que superproteger Tiago é uma forma de amor e de ajudá-lo. Não se dão conta de que, ao não incentivá-lo a enfrentar e vencer desafios, eles demonstram o quanto não acreditam na capacidade do seu filho em se tornar uma pessoa feliz e produtiva.

- Mesmo que ele seja triste, não queira avançar em seus estudos ou não venha a trabalhar, disse Cris, que isso tudo seja uma opção de Tiago e não uma imposição da sua família ou da própria sociedade. No entanto, como ele poderá saber das suas possibilidades, se não o deixam desenvolver suas habilidades? Como poderá ser, no futuro, uma pessoa segura e confiante, se hoje o encarceram no medo e na timidez?

- Pois é, Cris, mas Dona Aurora e o Senhor Francisco ainda não conseguem ver o Tiago tropeçando, esbarrando e até fazendo um "galo" na testa. Eles esquecem que isso tudo faz parte da vida de qualquer pessoa.

- Entendo a reação deles; afinal, não é fácil olhar para seu filho e não confundi-lo com sua deficiência. Mas é preciso que sejam fortes e saibam colaborar com eles mesmos, porque assim nem eles conseguirão ser felizes.

- Felicidade... Eu vi muito bem como Tiago anda entristecido desde que Lúcia deixou de vir visitá-lo porque ela e Dona Aurora discutiram. E tudo porque Lúcia pediu a Tiago para ir até a padaria buscar uns pãezinhos para o lanche. Acredita, Cris, que Dona Aurora quase teve um enfarte!?

"Imagina, meu filhinho ir sozinho até à padaria! Podendo cair, bater no poste ou se machucar! Como posso confiar meu filho a uma namoradinha tão negligente e irresponsável. Quer matá-lo, pensando que um pedaço de alumínio vai protegê-lo!? Tiago precisa de alguém que cuide dele e não de uma tresloucada!!!"

- No fundo, seus pais querem uma enfermeira, motorista e empregada para Tiago, e não alguém que confie nele, incentivando-o a assumir suas próprias escolhas e responsabilizar-se pela construção do seu caminho.

- Muito bem, muito bem, mocinha! Agora, vamos dormir um pouco, porque a manhã já vem chegando, e o tempo segue sempre em frente.

Ao acordar, Tiago espreguiçou-se e lembrou do sonho daquela noite: Mano, o antigo relógio da sala, e Cris, a bengala que sua tia Helena havia lhe presenteado, conversaram sobre a dificuldade que ele e seus pais tinham em aceitar a inclusão e o uso da bengala em sua vida.

"Acho que preciso pensar mais sobre este sonho, disse ele. Já está na hora de me libertar dos meus fantasmas e crescer para a vida!"


Texto escrito por Sonia B. Hoffmann
Porto Alegre, abril de 2009

[PERMITIDA A DIVULGAÇÃO E A REPRODUÇÃO DESTE MATERIAL DESDE QUE CITADA A FONTE]


VOLTAR À PÁGINA PRINCIPAL