- Minha dinda me deu a boneca que há tanto tempo desejava, vou colocar o nome de Juliana!
A menina estava encantada com esta boneca. Tinha levado Juliana para
- Fiquei muito contente com as outras bonecas que ganhei, com as roupas e as pinturas para elas... mas por que será que não dão também bengalas para usarem assim como eu? Minha dinda fez uma bengala para Juliana e é por isto que gosto mais dela do que das outras.
Dulce, a madrinha de Cácia, havia feito de pano uma boneca que a afilhada aos poucos construía em sua imaginação. Ela precisava ter cabelos longos, usar camiseta e calças jeans, ter tênis e uma bengala.
No início, Dulce estranhou.
- Usar bengala? Por que uma boneca iria precisar de uma bengala? Meditava Dulce.
Deste dia até a data em que decidiu fazer uma boneca com bengala, Dulce passou a prestar atenção nos comportamentos e falas da afilhada em relação à cegueira. Percebeu, então, que Cácia, com seus cinco anos, ainda não tinha sido informada que, na família, era a única criança cega.
Quando a menina nasceu, seus pais ficaram impactados com o surgimento de uma filha cega. No início, culparam-se, acusaram-se e, por fim, a aceitaram como filha, mas não como cega. Decidiram que nada contariam à filha sobre sua cegueira, deixando que esta descoberta surgisse naturalmente ou, então, falariam sobre isto quando tivesse mais idade.
Como na cidade em que moravam não havia alguma instituição ou profissional especializado em deficiência visual, os pais foram educando Cácia da maneira que achavam correta. De vez em quando, viam na rua um ou outro cego usando uma bengala. Pensaram, então, que a menina estaria protegida de batidas ou quedas se usasse também uma bengala. A aprendizagem do braille, deixariam que acontecesse na escola. Lá, segundo eles, existiria alguém que a pudesse auxiliar.
Um dia, Cácia perguntou à Dulce quando foi que havia deixado de usar a bengala. Ficou sem saber o que responder não apenas pelo inesperado da pergunta, mas também porque não sabia exatamente se seus pais já haviam conversado com Cácia sobre a cegueira e o enxergar.
- Por que você acha que deixei de usar uma bengala, minha querida?
- Porque você já é adulta e os meus pais me disseram que gente grande não usa bengala como eu. Por isto que eles não usam bengala.
Dulce ficou pensativa. Por um lado, não podia deixar a afilhada vivendo com estas ideias. No entanto, por outro lado, não podia dizer a ela que seus pais haviam mentido porque consideravam que a magoariam se lhe contassem que somente ela era cega. Pensou, então, em fazer um outro caminho para que Cácia, a afilhada a quem tanto gostava, não ficasse sabendo sobre sua cegueira da pior maneira possível.
-, lembra da Vó Esmeralda? Cácia,
- Lembro sim, ela é bem velhinha e usa uma bengala de madeira para caminhar.
- E do Tio Rodolfo, você lembra o que aconteceu com ele?
- Lembro sim, dinda. Ele estava jogando futebol com o papai. De repente, caiu e quebrou a perna.
- E o que ele fez então?
- Colocou gesso e usou uma bengala toda diferente.
- E da Dona Francisca, lembra o que você gosta de fazer quando a encontra?
- Ah, aquela senhora que mora na cidade ao lado? Ela usa uma bengala como a minha, mas é maior. Gosto de colocar uma do lado da outra para brincarem de irmãs. Pois é, dinda, por que ela usa uma bengala como a minha e os outros não? Ela também é adulta.
- A Profa. Francisca usa uma bengala maior do que a sua, é mais fina e onde segura é mais largo. Adultos usam bengalas de adultos, crianças usam bengalas de crianças.
- E por que as pessoas usam bengalas diferentes?
- Porque as pessoas têm necessidades diferentes. A Vó Esmeralda usa a bengala porque está velhinha e com dificuldade de andar sem se apoiar. O Tio Rodolfo não pode caminhar somente com uma perna, por isto, usa a bengala para ficar equilibrado. A Dona Francisca não enxerga e, para não se machucar, usa uma bengala para perceber o caminho.
- E o que é não enxergar, dinda?
- Uma boa pergunta, minha afilhada. Quem sabe você me ajuda a fazer um bolo gostoso e a gente faz um lanche com seus pais, conversando sobre isto?
Escrito por Sonia B. Hoffmann
Porto Alegre, 24 de julho de 2009
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